domingo, 24 de agosto de 2014

A BIOLOGIA DA PUNIÇÃO


FOLHA.COM  24/08/2014 02h02


Hélio Schwartsman


SÃO PAULO - Pelo que fez, o criminoso merece a punição que recebeu. A palavra "merece" parece inocente, mas encarna um problema que, apesar de ter ocupado as mentes dos melhores filósofos, nunca recebeu uma resposta muito convincente.

No que se funda esse merecimento? A solução mais popular é recorrer a elementos externos, como Deus ou uma ideia de Justiça nos moldes da de Platão, para justificá-lo. É daí que brotam os sistemas de justiça retributiva, em que a punição desponta como uma consequência moralmente inquestionável do delito cometido.

De uns anos para cá, porém, pesquisadores tentam buscar uma resposta dentro de nós, mais especificamente em nossa biologia. Embora esse seja um campo de estudos novo, já traz resultados promissores, que estão muito bem descritos no excelente "The Punisher's Brain" (o cérebro do punidor), de Morris Hoffman.

Hoffman, que é juiz no Colorado, traça um panorama detalhado dos trabalhos na área da neurociência e da psicologia que apontam para uma espécie de instinto punitivo comum a toda a humanidade. Num exemplo banal, todos os sistemas penais conhecidos valorizam mais a intenção do que o resultado. É por isso que o homicídio doloso é sempre punido com mais rigor que o culposo, ainda que a consequência seja a mesma.

Para o autor, desenvolvemos essas intuições ao longo dos últimos 100 mil anos tentando nos equilibrar entre a necessidade de reprimir os membros do grupo que tentavam tirar proveito do coletivo e a de evitar a punição excessiva, que poderia desestruturar a sociedade. De resto, jamais tiramos de nosso radar a possibilidade de nós mesmos não resistirmos às tentações e nos tornarmos o criminoso a ser enquadrado.

O resultado desses impulsos contraditórios está na formidável propensão humana para castigar e para perdoar. Hoffman mostra as marcas dessa esquizofrenia em várias facetas de nossos sistemas judiciais.
hélio schwartsman
Hélio Schwartsman é bacharel em filosofia, publicou 'Aquilae Titicans - O Segredo de Avicena - Uma Aventura no Afeganistão' em 2001. Escreve de terça a domingo.

sábado, 23 de agosto de 2014

CONCEITOS BÁSICOS DA SEGURANÇA PÚBLICA EXERCIDA NO BRASIL


PORTAL MJ.GOV.BR - SEGURANÇA PÚBLICA


Segurança Pública » Órgãos de Segurança » Conceitos básicos


Conceitos básicos


A Defesa Social inclui, entre outras atividades, a prestação de serviços de segurança pública e de defesa civil.

A Segurança Pública é uma atividade pertinente aos órgãos estatais e à comunidade como um todo, realizada com o fito de proteger a cidadania, prevenindo e controlando manifestações da criminalidade e da violência, efetivas ou potenciais, garantindo o exercício pleno da cidadania nos limites da lei.

A Defesa Civil é um conjunto de medidas que visam prevenir e limitar, em qualquer situação, os riscos e perdas a que estão sujeitos a população, os recursos da nação e os bens materiais de toda espécie, tanto por agressão externa quanto em conseqüência de calamidades e desastres da natureza.

As Polícias Militares são os órgãos do sistema de segurança pública aos quais competem as atividades de polícia ostensiva e preservação da ordem pública.

As Polícias Civis são os órgão do sistema de segurança pública aos quais competem, ressalvada competência específica da União, as atividades de polícia judiciária e de apuração das infrações penais, exceto as de natureza militar.

Os Corpos de Bombeiros Militares são os órgão do sistema de segurança pública aos quais compete a execução das atividades de defesa civil, além de outras atribuições específicas estabelecidas em lei.

A Polícia, o Ministério Público e a Autoridade Penitenciária devem agir interativamente em prol da segurança pública.

A prestação de serviços públicos de segurança, em sua expressão Polícia Geral, inclui o policiamento ostensivo, a apuração de infrações penais e a guarda e recolhimento de presos.

A premissa maior da atividade de segurança pública é a sua perspectiva sistêmica, expressa nainteração permanente dos diversos órgãos públicos interessados e entre eles e a sociedade civil organizada.

A prestação de serviços públicos de segurança engloba atividades Repressivas e Preventivas, tanto de natureza policial quanto não-policial, a exemplo, como no caso do provimento de iluminação pública.

Os serviços de segurança pública de natureza policial e não-policial devem buscar estabelecer, aperfeiçoar e manter, conjunta e permanentemente, um sentimento coletivo de segurança.

A Segurança Privada se divide em três grandes áreas: Segurança do Trabalho, Segurança Empresarial (interna das empresas) e Vigilância. esta se subdivide em vigilância orgânica e vigilância patrimonial, contratada a prestadores de serviço. Existem ainda os serviços de vigilância eletrônica, de transporte de valores, de guarda-costas e de investigação particular.



COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - O portal revela que o direito à segurança pública é tratado no Brasil como ATIVIDADE e como SISTEMA POLÍTICO, desprezando que é um direito a ser garantido pelos Poderes da República.  Não há qualquer referência à participação técnica do Poder Judiciário que dá continuidade aos esforços policiais, processando, julgando e sentenciando os autores de delitos para depois fazer a supervisão e os direitos da execução penal. É por isto que não dão certo as medidas executadas pelo Poder Executivo na garantia da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.

JUÍZES MUNICIPAIS



ALBERTO AFONSO LANDA CAMARGO


A Lei 9.099/95 entrou em vigor com a finalidade, dentre outras, de permitir maior rapidez nos julgamentos de delitos pequenos, que, segundo o dispositivo legal, foram denominados “de pequeno potencial ofensivo”. Nesta conceituação estão os crimes cuja pena não ultrapassa a dois anos de prisão e as contravenções penais.

A intenção dos legisladores foi a de fazer com que esses delitos menores tivessem um tratamento diferenciado, propiciando a imediata condução de partes diretamente ao Juizado, que primaria pela oralidade, celeridade, simplicidade, etc., no desenvolvimento e julgamento do processo, a exemplo do que ocorre em qualquer país do mundo.

Apesar de, no Rio Grande do Sul, os Juizados Especiais Criminais estarem em todos os municípios, observa-se que não funcionam conforme o espírito da lei. Em nenhuma localidade foram instalados juizes de plantão para procederem os julgamentos, estando esses juizados disponíveis apenas em horários de expediente e em dias úteis, quando, pela lógica, deveriam funcionar durante as vinte e quatro horas do dia. Nos municípios maiores, as audiências chegam a ser marcadas após um ano dos fatos, como tivemos notícias em Porto Alegre.

É claro que esta postura do Poder Judiciário em não manter o funcionamento destes juizados especiais durante todo o dia, contribui para que, tal como os delitos maiores, aqueles não sejam contemplados com a celeridade nos seus julgamentos, recebendo em alguns casos, tratamento igual, o que, muitas vezes, desmotiva as vítimas em manifestarem vontade em que haja continuidade o processo naqueles casos em que a lei prevê que esta manifestação deva ser expressa, como nos delitos de lesões corporais.

Além dos prejuizos ao cidadão, é atingida a segurança pública como um todo, eis que, se os delitos menores tiverem uma solução imediata e pronta, é evidente que se estará evitando a prática de delitos maiores, muitos deles conseqüência daqueles. Imagine-se uma pessoa que sofra uma agressão, um tapa, de um vizinho e veja este vizinho ser responsabilizado imediatamente pelo seu crime, ainda que com uma pena branda de prestação de um serviço público. Satisfeito com a medida condenatória, não buscará vingança. Em contrapartida, se não ver o seu vizinho condenado imediatamente, continuará com seus ânimos alterados e buscará reparar o mal que sofreu, indo à forra, podendo até, matar o seu desafeto. O julgamento rápido, ocorrido segundo o espírito e os dispositivos da Lei 9.099/95, por certo, funciona como elemento inibidor de delitos mais graves, que correspondem a males muitas vezes irreparáveis. Por que, então, não se adotam medidas urgentes e eficazes para a instalação desses juizados em consonância com a Lei, atendendo os reclamos do cidadão, se os resultados, sabidamente serão bons?

A manutenção de juizes plantonistas durante as vinte e quatro horas do dia, está perfeitamente ao alcance dos administradores, para tanto, estamos sugerindo a alteração da Constituição Federal, permitindo a criação de juizados municipais com a finalidade de atuarem naqueles delitos contemplados pela Lei 9.099/95, obrigando-se à manutenção de plantões para os julgamentos segundo o rito nela previsto.

Sob a responsabilidade de contratação e remuneração do poder público municipal, pode ser permitida a participação de juizes leigos, a exemplo do que já ocorre nos Juizados de Pequenas Causas, sendo os mesmos remunerados pelo número de processos julgados a cuja unidade seria estabelecido um valor. Sem dúvidas, adotada medida desta natureza, além de desafogar a Justiça Estadual, os pressupostos da Lei 9.099/95 serão alcançados com vantagens para o cidadão e objetiva diminuição da criminalidade, eis que teremos a sensível redução de delitos graves cometidos que têm a sua causa nos pequenos delitos.




FONTE: Do trabalho  "POLÍCIA ÚNICA (HÁ OUTRAS ALTERNATIVAS?)" de Alberto Afonso Landa Camargo, oronel da Brigada Militar do Rio Grande do Sul e Professor graduado em Filosofia e Letras.(Janeiro, 2000)

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

JUSTIÇA, PRISÕES, IMPOSTOS, ONDE FICAM AS SOLUÇÕES?


O ESTADO DE S.PAULO 15 Agosto 2014 | 02h 04


WASHINGTON NOVAES 



É raro o dia em que não ocupem largo espaço na comunicação brasileira temas como aumento da violência, insuficiência ou degeneração do sistema prisional, crise no Judiciário e/ou incapacidade de atender à demanda. É a realidade brasileira, que precisa ser mudada com urgência, mas mesmo na campanha eleitoral não encontra propostas adequadas, consensuais ou que provoquem apoio manifesto.

Só para citar exemplos, na segunda quinzena de julho lembrou-se que o número de vítimas de homicídios no País em quatro anos (206 mil) superou o de mortos em conflitos armados no mundo de 2004 a 2007 (Mapa da Violência 2013 - Uol, 19/7). E ainda, em média, 164 pessoas são assassinadas por dia no Brasil (60 mil em 2013). Voltam para a prisão 70% dos que lá saem (Estado, 29/6). E 56,7% das decisões judiciais na capital goiana - exemplo que não é isolado - não são cumpridas (O Popular, 28/7). Mas em todos os lugares os ocupantes dos Poderes se queixam da falta de recursos, embora tenhamos uma carga tributária - R$ 1,7 trilhão em 2013, segundo o Impostômetro - que significa o dobro da que existe na América Latina, segundo a União Europeia. E embora os números sobre a sonegação de impostos sejam altíssimos: basta ver que os tributos federais não pagos significaram em seis meses nada menos que R$ 200 bilhões, de acordo com o Sindicato Nacional de Procuradores da Fazenda (27/5). Só a União tinha a receber no final de 2012 nada menos que R$ 1,1 trilhão, entre débitos tributários, previdenciários e outros.

O que se vai fazer, diante desse quadro?

Para a chamada "crise prisional", por exemplo, o governo goiano está cogitando de terceirizar o complexo de Aparecida de Goiânia, onde cada preso custa hoje, no mínimo, R$ 1.500 por mês. Afirmam autoridades que o caminho está dando certo em outros países. Pretende-se pagar perto de R$ 2,4 mil mensais por detento nos próximos 27 anos (O Popular, 16/7). Resolverá? E se as empresas, para economizar recursos, não forem eficientes? A solução não estaria em implantar em presídios um sistema eficaz de trabalho, reeducação e formação profissional para os detentos, que lhes permitisse pagar seu custo e a formação de um capital para o momento da saída ou a redução da pena? Não se escaparia ao drama de hoje, em que a maioria dos ex-detentos reincide na ilegalidade e volta à prisão?

O caminho de cada cidadão pagar pelos ônus que gera talvez pudesse ser estendido a muitas áreas - juntamente com a possibilidade de pagar menos tributos, defendida nos jornais (4/4) pelo presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Marcus Vinicius F. Coelho. Mas vai-se continuar com a sonegação tendo valores mais altos no País que o Bolsa Família, por exemplo (27/5)? E com o Refis permitindo parcelar dívidas em até 1.066 anos (Elio Gaspari, OG, 16/4)? Enquanto isso, quem compra uma agenda escolar, uma borracha ou um apontador de lápis para o filho paga 43,19% de impostos; um caderno, 34,9%; um lápis, 34,99%; uma régua, 44,65% (FP, 25/1).

Pelo ângulo oposto, segue a "guerra fiscal" entre Estados que isentam de impostos (alguns, mais que sua arrecadação anual) novas empresas, que deixam de recolher em média 70% do ICMS que é pago pelo consumidor. O subsídio até estimula indústrias. Mas estudos demonstram que o incentivo a um único empreendimento pode significar, em um ano, até o equivalente a um empréstimo a mil microempresas em bancos oficiais, que gerariam mais trabalho e renda. Os incentivos fiscais certamente podem agravar a concentração da renda. Já há uma proposta, da Adial, de limitar os incentivos de acordo com a economia dos Estados. Mas a discussão não avança no Congresso Nacional. E ainda há pouco (FP, 17/7) o próprio Senado aprovou prorrogar por 50 anos incentivos fiscais na Zona Franca de Manaus, que podem chegar a 75% do Imposto de Renda, 100% do IPI e até 88% do imposto sobre importações. Sem dúvida, estimula empresas - mas agrava a concentração da renda em Estados onde a pobreza chega a ser calamitosa.

É uma questão que já repercute até mesmo na área externa. A União Europeia está iniciando na Organização Mundial do Comércio (OMC) uma disputa com o Brasil em torno da política industrial e dos benefícios fiscais, tecnológicos e outros - inclusive da Zona Franca de Manaus - a novas empresas (Agência Estado, 13/2). O Japão já anunciou que também vai questionar o Brasil na OMC por causa dos incentivos fiscais (9/4).

É preciso insistir: não se pode continuar batendo numa única tecla - dos índices de crescimento econômico, que ignoram fatores sociais fundamentais -, como a disponibilidade de serviços públicos (saneamento, limpeza urbana), estruturas de saúde, de educação, de formação profissional, assim como o comportamento na área de recursos naturais. Este último, segundo estudo da Universidade das Nações Unidas, pode reduzir fortemente os índices de crescimento se levadas em conta as perdas. E esse é o caso do Brasil.

A recente divulgação do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 2013 pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) mostra o Brasil (Estado,25/7) em 79.º lugar entre 187 países. Com a avaliação também em saúde, educação e rendimento, o Brasil fica atrás de Cuba, Chile, Argentina, Uruguai, Venezuela, Trinidad e Tobago, Panamá, Bahamas, Costa Rica e México, para ficar apenas no nosso continente. Nosso índice de desenvolvimento humano é inferior em quase 25% ao da primeira colocada, a Noruega. Ministros brasileiros disseram que se o Pnud tivesse considerado informações mais recentes seria melhor o IDH.

O que parece inegável é que precisamos reformular os nossos sistemas de tributação, de arrecadação de impostos e de sua destinação. Se não for assim, não ocorrerão as mudanças necessárias. Mas a campanha eleitoral não tem apontado, até aqui, caminhos mais promissores.


JORNALISTA

domingo, 10 de agosto de 2014

RESPOSTA DO MP AO DESEMBARGADOR QUE SOLTOU OS BLACK BLOCS

TRIBUNA DA INTERNET on agosto 9, 2014

FAZ SUCESSO NA INTERNET A RESPOSTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO AO DESEMBARGADOR QUE SOLTOU OS BLACK BLOCS






Celso Serra

Leiam, abaixo, a nota do MP do Rio de Janeiro depois que o desembargador Siro Darlan chamou o MP de “inutilidade”.


Esse desembargador, que mandou soltar os ativistas, é aquele que libertou 10 perigosos marginais presos por terem invadido o Hotel Intercontinental em São Conrado, todos portando armas de grosso calibre e que trocaram tiros com a polícia em plena rua, em evento filmado e transmitido para todo o mundo. Alegou “excesso de prazo” para a prisão. A essa hora vários inocentes devem estar mortos por conta da soltura desses marginais.

Foi ele também que concedeu “prisão domiciliar” para a mulher do traficante Nem da Rocinha, decisão essa logo revertida pelo colegiado de desembargadores do TJ do Rio. Ele era grande defensor de marginais “di menor” quando era juiz da infância e juventude.

Essa é a nossa Justiça, que ainda promove uma figura dessas a Desembargador. Vejam na nota do MP do Rio abaixo se esse magistrado tem condições de ser desembargador.



NOTA DO MP SOBRE DECLARAÇÕES DE DARLAN

“O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, instituição vocacionada à defesa da sociedade, vem externar seu mais veemente repúdio às declarações do Sr. Siro Darlan, que, uma vez mais, presta enorme desserviço ao povo e ao Estado brasileiros. Rotular o Ministério Público de “inutilidade” é ignorar seu importante papel na tutela dos interesses coletivos. Na verdade, é exatamente por exercer com retidão e diligência a tarefa de proteger os direitos sociais, tentando conter o avanço da criminalidade, que a instituição tem colecionado tantos e tão poderosos inimigos.

É preciso não perder de perspectiva que, na difícil tarefa de aplicar a lei, é preciso interpretá-la adequadamente. Alguns o fazem buscando a defesa da sociedade, outros se movem por interesses menos relevantes. E isso se evidencia ao lembrarmos da libertação, em agosto de 2010, decretada pelo ora ofensor do Ministério Público, de dez marginais que haviam sido presos após invadir o Hotel Intercontinental, portando armas de grosso calibre e aterrorizando suas vítimas.

Apesar dos percalços diuturnamente enfrentados, o Ministério Público continuará a zelar pelos interesses que lhe incumbe defender, quaisquer que sejam os detratores de plantão. A inutilidade, por certo, existe, mas em seara outra que não a da instituição.”

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

JUIZADO DE INSTRUÇÃO CRIMINAL CONSIDERAÇÕES



Jus Navigandi
JUS.COM. Publicado em 02/2007. Elaborado em 12/2004.


Adilson Luís Franco Nassaro



Os manuais de processo penal trazem em linhas gerais a noção de que "juizado de instrução" seria o instrumento destinado à apuração das infrações penais sob presidência de um juiz, o chamado "juiz instrutor" ou "juiz de instrução", responsável por colher todos os elementos probatórios para a instrução penal, permanecendo para a polícia as exclusivas funções de prevenção, de repressão imediata e de investigação. Um outro juiz presidiria o julgamento, na falta de saída processualmente viável para a imediata solução do litígio.

Tal modelo é enaltecido em razão de que nele não ocorre a perda de tempo provocada pela repetição das provas, hoje verificada no sistema processual penal brasileiro que preserva, como regra, a apuração preliminar sem valor probatório, ou seja, o inquérito policial.

No vislumbrado sistema do juizado de instrução, a denominada "polícia judiciária" não exerce atividade cartorária, dedicando-se especificamente à atividade investigativa e, portanto, com maior possibilidade de êxito, para a efetividade dos trabalhos da Justiça Criminal. Por outro lado, o órgão policial que exerce atividade preventiva restabelece a ordem pública turbada pela prática do delito e conduz as partes envolvidas, além das provas disponíveis, diretamente à autoridade judiciária, sem intermediários, possibilitando uma resposta rápida da Justiça Criminal.

Voltando à nossa realidade, para compreender o sistema atual e dirigir uma visão crítica sobre ele, faz-se necessária análise da remota origem do inquérito policial no Brasil, objetivamente relatada por Fernando da Costa Tourinho Filho (Processo Penal, 19. ed., Ed. Saraiva, São Paulo, 1997, v. 1, p. 175):


"As Ordenações Filipinas, além de não fazerem distinção entre Polícia Administrativa e Polícia Judiciária, não falavam em Inquérito Policial. O Livro I tratava das atribuições dos alcaides e da maneira de escolhê-los. O Código de Processo surgido em 1832 apenas traçava normas sobre as funções dos Inspetores de Quarteirão, mas tais Inspetores não exerciam atividades de Polícia Judiciária. Embora houvesse vários dispositivos sobre o procedimento informativo, não se tratava do ‘inquérito policial’, com esse nomen juris.

Foi, contudo, com a Lei n. 2.033, de 20-9-1871, regulamentada pelo Decreto-lei n. 4.824, de 28-11-1871, que surgiu, entre nós, o inquérito policial com essa denominação, e o art. 42 da referida lei chegava inclusive a defini-lo: ‘o inquérito policial consiste em todas as diligências necessárias para o descobrimento dos fatos criminosos, de suas circunstâncias e de seus autores e cúmplices, devendo ser reduzido a instrumento escrito’ ".

Historicamente não foi adotado o juizado de instrução no Brasil, de modo sistemático, em razão de que muitos classificaram como impossível o seu bom funcionamento devido à grande extensão territorial do país. Em 1941, por ocasião da instituição do Código de Processo Penal em vigor, manteve-se o inquérito policial - já tradicional naquela época, posto que existente desde 1871 - classificado como uma fase pré-processual vez que, tendo como características principais a inquisitividade, o sigilo necessário às investigações e a ausência do contraditório, não poderia mesmo integrar a ação penal no denominado processo acusatório modernamente aceito em oposição ao medieval sistema inquisitivo.

Nesse sentido, a explicação para a manutenção do inquérito em 1941 foi dada pelo próprio Francisco Campos, então Ministro da Justiça e relator do projeto do Código de Processo Penal, no item IV de sua Exposição de Motivos:


"Foi mantido o inquérito policial como processo preliminar ou preparatório da ação penal guardadas as suas características atuais. O ponderado exame da realidade brasileira, que não é apenas a dos centros urbanos, senão também a dos remotos distritos das comarcas do interior, desaconselha o repúdio do sistema vigente.

O preconizado juízo de instrução, que importaria limitar a função da autoridade policial a prender criminosos, averiguar a materialidade dos crimes e indicar testemunhas, só é praticável sob a condição de que as distâncias dentro do seu território de jurisdição sejam fácil e rapidamente superáveis. Para atuar proficuamente em comarcas extensas, e posto que deve ser excluída a hipótese de criação de juizados de instrução em cada sede do distrito, seria preciso que o juiz instrutor possuísse o dom da ubiqüidade".

Portanto, sob o argumento de que o juiz não seria capaz de atuar em vários locais ao mesmo tempo - e nem hoje é capaz - ou seja, não possui o "dom da ubiqüidade", descartou-se a hipótese do juizado de instrução. Sugeriu-se, também, que as dificuldades de locomoção poderiam ser evitadas quebrando-se a unidade do sistema com a adoção do juizado de instrução, ou de instrução única, para as capitais e sedes de comarca em geral e, para as áreas do interior, a manutenção do inquérito policial. Tal proposta não obteve êxito porque a quebra da unidade do sistema determinaria a inevitável classificação de duas categorias de jurisdicionados: aqueles que receberiam resposta imediata da Justiça Criminal e aqueles que continuariam submetidos a uma fase pré-processual, ou seja, ao inquérito policial.

Consequentemente, no sistema vigente, a Justiça Criminal vê-se obrigada a repetir todos os atos praticados durante o inquérito, em nova fase sob o crivo do contraditório em juízo e, portanto, o Estado perde tempo precioso e torna-se incapaz de dar resposta rápida em face da prática de infração penal.

Apesar das diversas vantagens do juizado de instrução em comparação com o modelo baseado no inquérito policial, dentre elas a possibilidade de um magistrado apreciar ao vivo e com presteza os elementos delituosos, alguns processualistas defendem que o inquérito policial ainda é mais vantajoso, especialmente em razão de impedir a formação precipitada da convicção em juízo sobre determinado fato apurado. Discordamos dessa posição, considerando que o juiz de instrução encarregado do "inquérito judicial", deve formar um juízo de probabilidade, tanto quanto o delegado de polícia forma o seu no inquérito policial para efeito de indiciamento ou não. Concluída a instrução, o juiz profere decisão equivalente à pronúncia.

O grande diferencial, sem dúvida, diz respeito à agilidade obtida na apuração dos fatos, como demonstrou José Arnaldo da Fonseca, Ministro do Superior Tribunal de Justiça, defendendo a adoção do sistema para apuração de algumas condutas criminosas específicas, em seu artigo "Juizado de Instrução Criminal" (Correio Braziliense, 30 de outubro de 2000, Caderno Direito e Justiça):


"Com a atuação imediata do juiz instrutor, portanto, sob o crivo do contraditório e sob a presidência do magistrado processante, detendo poderes suficientes para ordenar as diligências necessárias e/ou requeridas, muitos óbices serão superados e, tornando-se judiciários todos os atos probatórios, afasta-se a duplicidade de formação da prova, atende-se ao princípio da economia processual e se fortalece a ação repressiva. E diga-se, sempre com a presença e o concurso do Ministério Público, que não deve deter a atribuição da direção da instrução preliminar para não quebrar o princípio da separação de funções".

Álvaro Lazzarini, Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, há muito tempo defende a adoção do Juizado de Instrução Criminal para o aperfeiçoamento do ciclo da persecução criminal, observando que a "origem dos erros está no verdadeiro afastamento do Poder Judiciário em relação ao início da instrução criminal", mantendo-se injustificado e histórico atraso na Justiça Criminal, conforme registra no precioso estudo O Poder Judiciário e o Sistema de Segurança Pública (Estudos de Direito Administrativo, 2. ed., ed. RT, São Paulo, 1999, p. 155), indicando a evolução da proposta no processo legislativo brasileiro e a dificuldade de sua implantação:


"De fato, muito antes, nos idos de 1935, o célebre Vicente Ráo havia proposto magnífico projeto de Código de Processo Penal, implantando em nosso País o Juizado de Instrução Criminal, não logrando êxito em face dos interesses do Estado Novo, isto é, da ditadura Vargas, que preferiu, através de decreto-lei, impor o modelo até hoje vigente, o qual não deu e continuará a não dar certo.

Na Assembléia Nacional Constituinte, o Juizado de Instrução Criminal, que defendíamos, figurou nas diversas fases do Projeto Constituição, até que o denominado Centrão o afastasse do texto, sendo, a seguir, destacado para a votação em plenário, o que acabou não ocorrendo em razão de pressões corporativas feitas sobre os constituintes que o defendiam. Fugiu-se, assim, ao célebre debate e à votação da matéria em plenário da Assembléia Nacional Constituinte, pois sabia-se que a sua aprovação, inexoravelmente, ocorreria.

Mas, se abortado foi do texto constitucional o instituto do Juizado de Instrução Criminal, o mesmo não se pode dizer do seu espírito que continua presente no capítulo dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos da Constituição de 1988, conforme o atesta o art. 5o , incisos XI, XII, XLIX, LVI, LXI, LXII e LXV, entre outros".

De fato, o espírito do juizado de instrução foi mantido no texto da Constituição Federal e a previsão dos Juizados Especiais para o julgamento das infrações penais de menor potencial ofensivo, o Juizado Especial Criminal (inciso I, do art. 98, da CF) foi um relevante passo para chegar-se até ele, conforme também avaliou Álvaro Lazzarini. Não se pode, por sinal, confundir Juizado Especial com Juizado de Instrução, em que pese os seus pontos em comum. O Juizado Especial foi instituído para julgamento das infrações penais definidas como de menor potencial ofensivo, com procedimento sumaríssimo, baseado na oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e, tanto quanto o preconizado juizado de instrução, objetiva dar celeridade e efetividade aos trabalhos da Justiça Criminal, aproximando o Poder Judiciário do jurisdicionado para a solução da lide penal.

Notadamente, a conclusão de que o juizado de instrução Criminal permitiria adequada resposta ao anseio da população leva em consideração o fato de que a Justiça Criminal integra o Sistema de Segurança Pública, não obstante a verificação do distanciamento existente entre o Poder Judiciário e o início do trabalho policial a partir do atendimento da ocorrência, cujo resultado, por fim, dará origem à ação penal. A primeira dificuldade encontrada é a necessária ampliação dos quadros da magistratura, com a criação de uma nova carreira: a de juiz instrutor. E policiais bacharéis em Direito não poderiam desempenhar essa função, como já se aventou, porque são integrantes de carreira policial, concursados para atividade específica, na esfera do Poder Executivo; relevante o fato de que a própria Constituição Federal estabelece que o ingresso na Magistratura se dê por meio de concurso de provas e títulos, ressalvado o chamado "quinto constitucional" que garante vagas em Tribunais para Advogados e integrantes do Ministério Público.

A impossibilidade técnica de adoção ampla do juizado de instrução pela falta de estrutura adequada e indisponibilidade de recursos do Poder Judiciário não deve, por outro lado, obstar o debate sobre a viabilidade do juizado de instrução para os crimes denominados de "grande" potencial ofensivo, também chamados de "crimes sofisticados", que não implica urgentes mudanças na estrutura atual do Judiciário. Indiscutivelmente merecem atenção especial condutas de terrível impacto à sociedade, como a evasão de divisas e a lavagem de dinheiro, os chamados crimes de colarinho branco praticados por grupos organizados, que não são adequadamente apuradas por falta de pessoal especializado e até pelo desconhecimento das leis internacionais que tratam do assunto.

Defendendo esse raciocínio, prossegue com clareza o Ministro José Arnaldo da Fonseca, no mesmo trabalho mencionado, destacando o grau de lesividade de alguns crimes que trazem prejuízo extraordinário a toda a sociedade, hoje combatidos com pouco sucesso:


"Materialmente, e por falta de vontade e interesse dos poderes públicos, sabe-se, tem sido impossível romper, de pronto e de todo, com o sistema tradicional, mantido desde 1941, quando ainda inocorrentes os tipos de crimes praticados atualmente, com sofisticação, característicos das classes dominantes, de grupos organizados, os chamados crimes de colarinho branco. Mantenha-se o sistema tradicional, pelas razões supra, mas para os crimes, digamos, também tradicionais, ou seja, os arrolados no Código Penal, coetâneo do Código de Processo Penal, mantenedor do inquérito policial.

Nesse quadro temos os crimes contra: a) a ordem tributária; b) o sistema financeiro nacional; c) a ordem econômica; d) a administração e o patrimônio públicos; e e) os praticados por organizações criminosas e os de lavagem de dinheiro.

E aqui vão alguns dados: estudos recentemente realizados no Brasil e no exterior comprovam que os crimes de corrupção que provocam lesão ao erário acarretam aumento de pobreza e agravam a desigualdade social. Calcula-se que uma redução de 10% na corrupção seria suficiente para acrescentar cinqüenta bilhões ao nosso Produto Interno Bruto ao longo de 20 anos, vale dizer, dobraria a renda per capita do brasileiro. E mais, trabalhos da ONU e do FMI estimam que a corrupção pode reduzir o índice de crescimento de 1 a 0,5% ao ano e que os investimentos, nos países corruptos, são 5% inferiores.

Pelas especificidades e pelo alto grau de sofisticação das condutas delituosas que perpetram esses tipos de crimes, é preciso prestigiar um novo modelo de averiguação da responsabilidade criminal. É hora, portanto, de se adotar o Juizado de Instrução Criminal. Não para a generalidade dos crimes, por inafastáveis empecilhos. Mas a sua adoção limitada aos tipos de crime acima referidos não oferece dificuldade no tocante à exigência, de plano, da alteração do quadro de magistrados. A dificuldade estaria vencível".

Nesses termos, vários magistrados vêm defendendo publicamente a adoção do juizado de instrução, como uma medida necessária ao eficiente combate à criminalidade, pois os crimes que desviam o patrimônio disponível do curso de uma distribuição que incentive o desenvolvimento social acabam gerando inúmeros outros crimes menores. O próprio Presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 2003 o ministro Nilson Naves, também se manifestou favorável, conforme teor da matéria: Naves defende criação de juizado de instrução criminal para crimes de maior potencial ofensivo (http://www.trt.gov.br/ej/documentos/2003/TribunaisSuperiores/30-05.htm):


"É também inovação, há muito reclamada por nós, a criação do juizado de instrução criminal, que atuaria em delitos de maior potencial ofensivo. A instauração desse juizado, figura ainda inexistente no Direito brasileiro, a par de depender de alterações legislativas, depende de mudanças culturais. Tem ele o propósito de, previamente, desenvolver a instrução investigativa, elucidar todas as circunstâncias, colher todos os documentos e provocar todas as medidas conservatórias necessárias à segurança dos fatos incriminadores e à ação da Justiça. Afinal, não se pode esquecer uma preocupante verdade: enquanto avança e se moderniza o comportamento criminoso, o Estado continua respondendo com métodos e instrumentos obsoletos"

Lembre-se, a propósito, que não constitui fato inédito a presidência de inquéritos por magistrados em algumas situações específicas. Em nosso meio isso já ocorre sem quebra da lógica do sistema processual nos casos de apuração de crimes falimentares, em inquérito judicial e, de modo geral, de condutas criminosas praticadas por juízes, que possuem prerrogativa de foro, mediante procedimento apuratório estabelecido nos regimentos dos Tribunais.

Como temos de um lado a constatação de inviabilidade de reestruturação ampla do Poder Judiciário para implantação dos juizados de instrução criminal objetivando a apuração de todos os crimes em um novo sistema processual penal como regra e, de outro lado notamos a ineficiência do inquérito policial especialmente diante da complexidade de algumas condutas criminosas na realidade moderna, vislumbramos hoje a possibilidade de adoção de um sistema mesclado em função das características particulares do país, sem discriminação entre jurisdicionados.

Na visão dos defensores da fórmula, em uma nova etapa do sistema processual penal brasileiro, continuaríamos com os juizados especiais, com o rito sumaríssimo para os crimes de menor impacto à sociedade, com forte tendência à sua expansão e teríamos, no outro pólo, os juizados de instrução para os crimes a serem classificados como de maior complexidade, que trazem consigo grande potencial ofensivo a toda sociedade. O inquérito policial permaneceria para a apuração dos demais crimes, pelo mesmo argumento apresentado em 1941, devendo, porém, pautar-se pela mínima formalidade, ganhando em agilidade e efetividade, para a obtenção dos resultados que a sociedade espera do esforço estatal de combate à criminalidade.

A competência do juizado de instrução poderá, então, ser ampliada paulatinamente, junto à expansão do juizado especial, demonstrada a sua aplicabilidade e eficiência. Desse modo, o país passaria por uma transição benéfica, sem ruptura abrupta do modelo antigo, com possibilidade de avaliação dos resultados de mudanças sérias no sistema processual penal propostas por notáveis pensadores do Direito desde a primeira metade do século passado.


BIBLIOGRAFIA:

FONSECA, José Arnaldo. Juizado de Instrução Criminal. Artigo publicado no jornal Correio
Braziliense, edição de 30 de outubro de 2000, Caderno Direito e Justiça.
LAZZARINI, Álvaro et alii. Direito administrativo da ordem pública. 2. ed., Rio de Janeiro : Forense,

1987, p. 27.
------- Estudos de direito administrativo. 2. ed. São Paulo : RT, 1999.
MIRABETE, Júlio Fabrini. Processo Penal. 13. ed. São Paulo : Atlas, 2002.
NORONHA, Edgard Magalhães. Curso de Direito Processual Penal. 22. Ed. São Paulo : Saraiva, 1994.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. São Paulo : RT, 2002.
SCARANCE FERNANDES, Antonio. Processo penal constitucional. São Paulo : RT, 1999.
SILVA, José Geraldo da. O inquérito policial e a polícia judiciária. 2. ed. São Paulo : Leud. 1996.
TORNAGHI, Hélio. Curso de processo penal. São Paulo: Saraiva, 1987.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 19. ed. São Paulo : Saraiva, 1997. v. 1.



AUTOR: Adilson Luís Franco Nassaro - major da Polícia Militar de São Paulo, bacharel em Direito, pós-graduado em Direito Processual Penal na Escola Paulista da Magistratura, mestrando em História (UNESP).


http://jus.com.br/artigos/9523/consideracoes-sobre-juizado-de-instrucao-criminal

JUIZADO DE INSTRUÇÃO


O Estado de São Paulo,  12/01/2009.


EDITORIAL


Instalada em julho de 2008 pelo Senado e integrada por experientes e respeitados juízes, procuradores de Justiça e criminalistas, a Comissão de Reforma do Código de Processo Penal vem estudando medidas que, se forem aprovadas, podem acabar com os problemas acarretados por magistrados de primeira instância que se aliam a delegados de polícia e passam a agir politicamente, perdendo a isenção e a imparcialidade para decidir o mérito de processos criminais.

Embora sejam minoria nos quadros da magistratura, esses juízes têm gerado graves problemas para o Poder Judiciário, por usarem a fase de instrução do processo com o objetivo de produzir provas materiais orientadas para justificar sentenças condenatórias que já estariam previamente decididas com base em critérios políticos ou ideológicos.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) já recebeu pedidos de abertura de processo administrativo contra esses juízes. E, há seis meses, o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, envolveu-se numa discussão com um deles, acusando-o de usar abusivamente o instituto da prisão preventiva, de submeter investigados à execração pública, de vazar “informações oblíquas” para a imprensa e de ignorar decisões cautelares dos tribunais superiores.

Magistrados que agem mancomunados com delegados, perdem a imparcialidade e a autoridade, afirmou Mendes na ocasião, com o apoio de vários colegas de Corte. “Juízes que arrogam a si a responsabilidade por operações policiais transformam a Constituição em um punhado de palavras bonitas rabiscadas num pedaço de papel sem utilidade prática”, disse o ministro Eros Grau. Esses magistrados tendem a agir de forma “autoritária e insolente”, afirmou o decano do Supremo, ministro Celso de Mello.

As críticas à crescente ingerência de juízes de primeira instância em questões políticas são antigas e chegaram ao auge durante o segundo semestre do ano passado, quando diferentes setores da magistratura entraram em rota de colisão. Para pôr fim a esse problema e assegurar a imparcialidade dos julgamentos, a Comissão de Reforma do Código de Processo Penal instalada pelo Senado quer que dois juízes passem a atuar nas ações criminais, a exemplo do que ocorre, por exemplo, nos Estados Unidos, na França, na Itália e no México. O primeiro atuaria na fase de inquérito como um “juiz de garantias”, tendo competência para controlar as ações policiais, decretar prisões preventivas, autorizar buscas e apreensões e determinar quebra de sigilos. Concluídas as fases de investigação policial e de instrução do processo, o “juiz de garantias” seria substituído por um magistrado que não teve contato com a produção de provas. Ele teria competência para decidir a causa no mérito, julgando os fatos e decidindo com isenção e imparcialidade.

A ideia, diz Antonio Corrêa, juiz federal que integra a Comissão do Senado, é evitar que o julgador do mérito se contamine com o que foi apurado na fase de instrução. “O juiz de garantias irá controlar as investigações e terá a incumbência de encerrá-las, decidindo sobre o arquivamento ou, então, encaminhando os autos para o procurador-geral de Justiça ou da República”, afirma. “Sistema diferente levará à ditadura dos órgãos incumbidos de oferecer a denúncia, que irão instaurar ação penal apenas contra quem desejarem, o que quebraria o princípio do devido processo legal”, conclui.

A proposta, contudo, enfrenta resistências. Alguns promotores afirmam que, aprovada a medida, eles perderão a influência que exercem sobre o juiz. Os delegados alegam que a atuação de dois magistrados facilitará a defesa dos acusados, resultando em menos condenações e abrindo caminho para a impunidade. Mas é preciso observar que, nos países que adotaram o juizado de instrução, nada disso aconteceu.

A Comissão do Senado, que pretende encerrar seu trabalho até o final do semestre, já abriu um site na internet para colher sugestões de todos os setores interessados na modernização do anacrônico Código de Processo Penal, que foi editado pela ditadura varguista em 1941. Diante da necessidade de modernização da legislação processual, é preciso que as discussões sejam travadas exclusivamente sobre aspectos técnicos e que o anteprojeto a ser redigido fique imune a interesses corporativos.


http://www.diariodeumjuiz.com.br/?p=1540

O BRASIL DAS 181 MIL LEIS

REVISTA ISTO É N° Edição: 1953 | 04.Abr.07



Em um dos mais anacrônicos regimes legais do mundo, o País bate recorde de leis, muitas das quais obsoletas

Por Rudolfo Lago




Imagine um oficial britânico, herói de guerra. Ele perdeu a perna em combate contra os nazistas na Segunda Guerra Mundial. Agora, aos 80 anos, ele resolve passar o verão no Brasil. Ao desembarcar no aeroporto, porém, é barrado e mandado de volta para casa. Motivo alegado pelas autoridades: o estrangeiro não pode entrar porque é mutilado e tem mais de 60 anos de idade. Por incrível que pareça, tamanho absurdo está previsto na legislação brasileira. O decreto-lei nº 4.247 dá amparo legal a essa medida que poderia, em última instância, causar um grave conflito diplomático. Trata-se de uma norma discriminatória criada em 1921 para regular a entrada de imigrantes e até hoje em vigor. É o exemplo esdrúxulo de um cipoal que confunde juízes, advogados e qualquer cidadão brasileiro: o número excessivo de leis brasileiras. O Brasil tem nada menos que 181 mil normas legais, segundo um levantamento feito pela Casa Civil da Presidência. E ninguém sabe ao certo quantas delas já foram revogadas e quantas ainda estão em vigor.

Muitas normas caducaram e perderam completamente o sentido. Existem leis feitas para um homem só (leia quadro acima), decretos que dão ao ministro das Relações Exteriores a prerrogativa de permitir casamentos de diplomatas de carreira com pessoas estrangeiras e até mecanismos automáticos de indexação salarial, resquício da época da hiperinflação. Legislações antigas colidem com outras mais novas ou às vezes diferem apenas em pequenos detalhes. Leis específicas estabelecem penas maiores ou menores para delitos já especificados no Código Penal. Na prática, se há muitas normas legais aplicáveis no julgamento de um determinado delito, o que prevalece no final depende da competência do advogado ou da decisão do juiz. O excesso de normas legais onera as empresas, obrigadas a contratar caros serviços advocatícios e consultorias jurídicas. E prejudica os cidadãos. O resultado é um estado de freqüente insegurança jurídica. As pessoas se tornam completamente incapazes de resistir a um princípio básico do direito: ninguém pode alegar em sua defesa o desconhecimento da lei. “No Brasil, acontece o oposto. Ninguém pode dizer que conhece completamente as leis”, critica o deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP).


ENTULHO “O excesso de normas é um dos maiores problemas
do Brasil”, diz o deputado Vaccarezza

Vaccarezza foi designado pelo presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), para presidir um grupo especial que terá como tarefa avaliar todas essas 181 mil leis e eliminar tudo o que houver de excesso. A idéia é expurgar de uma vez por todas as leis efetivamente revogadas, extinguir aquelas que a modernidade tornou caducas, unir as que se repetem e eliminar as que colidem entre si. Sobrarão, se tudo der certo, não mais do que mil leis no País. Elas serão publicadas em 18 volumes de acordo com o tema a que se referem. “Será um grande avanço. O excesso de normas é um dos maiores problemas do Brasil”, afirma Vaccarezza.


ENXUGAMENTO “Um trabalho bem feito poderia deixar o País
com 500 a mil leis”, prevê Gandra Filho, ministro do TST

Somente na área tributária, existem nada menos que 809 leis, decretos, portarias e resoluções em vigor. É um inferno para qualquer empresa ou cidadão que paga seus impostos e taxas em dia. Algo que o jurista Ives Gandra Martins chama de “disenteria legislativa”. A necessidade de enxugar a legislação brasileira é um tema que fascina o filho do jurista, o ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Ives Gandra Martins Filho. No governo Fernando Henrique Cardoso, ele integrou, juntamente com o hoje ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, uma comissão que tentou iniciar a consolidação legal na Casa Civil da Presidência. “Na época, a tentativa não avançou mais porque talvez tenha faltado um projeto de marketing que sensibilizasse as pessoas e os políticos sobre o tamanho do problema”, diz Gandra Filho.

De qualquer modo, o trabalho anterior servirá de base para o início do projeto que Vaccarezza irá tocar na Câmara. Cada um dos ministérios já fez um mapeamento da legislação nos seus respectivos setores. Tudo foi processado em um programa de computador desenvolvido pelo Serviço de Processamento de Dados do Senado (Prodasen). Três CDs entulhados com milhares de leis, normas, decretos e similares deverão ser meticulosamente estudados para reduzir o total a ponto de caber num simples disquete. “Um trabalho de enxugamento bem feito poderia deixar o País com algo entre 500 e mil leis”, estima Gandra Filho.


LEIS CADUCAS “Muitos advogados invocam leis
(inconstitucionais) em processos”, afirma Mendes, ministro do STF

No STF, o ministro Gilmar Mendes já garantiu a Vaccarezza a adesão do Poder Judiciário ao processo de enxugamento legal. E encaminhou à presidente do Supremo, Ellen Gracie, um pedido para que o tribunal envie ao deputado uma lista de leis que já foram julgadas inconstitucionais. “Por incrível que pareça, muitas dessas leis não foram explicitamente revogadas e há muitos advogados que às vezes as invocam em processos. Eliminá-las de vez vai representar uma redução significativa na quantidade de leis vigentes”, afirma. Sinal da confusão legislativa brasileira, nem mesmo o STF sabe ao certo quantas seriam essas leis.




UMA CARTILHA REPLETA DE INUTILIDADES

Conheça alguns dos absurdos que ainda não foram revogados da legislação brasileira




FORA VELHOS E ALEIJADOS!
Decreto-lei nº 4.247, de 1921. Regulamenta a entrada de estrangeiros no País

Art. 1º. É lícito ao Poder Executivo impedir a entrada no território nacional (...):

§ 2º. De todo estrangeiro, mutilado, aleijado, cego, louco, mendigo, portador de moléstia incurável (...).

§ 4º. De todo estrangeiro de mais de 60 anos 


CHANCELER CASAMENTEIRO

Lei nº 1.542, de 5 de janeiro de 1952

Regula os casamentos de diplomatas com estrangeiras

Art. 1º. Os funcionários da carreira de diplomata só poderão se casar com estrangeira mediante licença do ministro de Estado.

§ 1º. O (...) ministro deferirá ou indeferirá o pedido


LEI DE UM HOMEM SÓ

Decreto nº 5.033, de 19 de outubro de 1926


Foi um decreto criado para favorecer um único funcionário dos Correios Dispensa das provas de concurso para a promoção de praticante e auxiliar na Repartição Geral dos Correios (...) João Adolpho Barcellos Filho, a quem o Governo dará, a título de indenização, (...) cinco contos de réis

QUEREMOS AGRICULTORES

Decreto-lei nº 639, de 1938 Criado especialmente para fixar o estrangeiro no campo Art. 17 O agricultor ou técnico de indústria rural (...) não poderá abandonar a profissão durante o período de quatro anos


AUMENTO AUTOMÁTICO

Lei nº 7.238, de 29 de outubro de 1984


Corrigia os salários nos tempos da hiperinflação

Art. 1º. O valor monetário dos salários será corrigido semestralmente, de acordo com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (...)


LEIS, LEIS, LEIS


ZERO HORA 08 de agosto de 2014 | N° 17884


DAVID COIMBRA


Não sou a favor da palmada educativa. E não sou a favor da lei que proíbe a palmada educativa.

Não sou a favor de expulsar alunos da escola. E não sou a favor da norma que proíbe a expulsão de alunos da escola.

Como é que o Estado vai regular pela lei o que tem de ser regulado pelo bom senso?

Até porque, no caso da palmada, o Estado brasileiro não tem nem meios de punir eventuais infratores. Há 500 mil pessoas presas no Brasil, quase meia Porto Alegre. Nas masmorras medievais de Norte a Sul, amontoam-se assassinos, traficantes, assaltantes, sequestradores, tratados de uma forma que seria escandalosa, se eles fossem animais de zoológico. Não há lugar para pais lenientes, mesmo que sua negligência tenha permitido que tigres estraçalhassem os braços de seus filhos.

Nos Estados Unidos, a população carcerária é cinco vezes maior, e as cadeias são 50 vezes melhores. A polícia e a Justiça têm estrutura para agir. E agem, por Deus que agem. Dura lex mesmo. A lei, nos Estados Unidos, é educativa, como pretendem ser a lei da palmada e a norma que proibiria expulsões em escolas. Mas é educativa não por simplesmente existir, mas por punir. Uma lei sem poder de punição não educa. Ao contrário, deseduca, porque vira piada. Torna-se uma lei que ensina a descumprir a lei.

O pai e a mãe cruéis, que espancam os filhos, não deixarão de fazê-lo por causa da lei da palmada, pelo singelo motivo de que a lei da palmada não os punirá. A lei da palmada não dá palmada em ninguém. Essa lei também é chamada de Lei Bernardo, em alusão ao menino assassinado no interior do Rio Grande do Sul. Denominação apropriada e, ao mesmo tempo, irônica, porque Bernardo, até onde se sabe, não levava palmada, mas pediu ajuda à Justiça devido à indiferença do pai. Quer dizer: os problemas da educação doméstica são mais complexos do que disciplinar ou não os filhos pelo castigo físico.

O que a Justiça poderia ter feito naquele caso, além do que fez, chamar o pai e censurá-lo? Ficar com a guarda do menino? Interná-lo na Fase? Piada...

A Lei Maria da Penha não funciona pela mesma razão. Porque o homem que bate na mulher sabe que, se quiser bater, baterá, e a lei pouco poderá fazer contra ele. Ele é detido, volta para casa e espanca a mulher de novo, só que com mais força.

A lei é educativa quando pune, porque a punição é educativa. Diminuir o poder das escolas de punir alunos numa época em que a regra é a leniência, como no caso do pai do menino mutilado pelo tigre, ou a indiferença, como no caso do pai do menino assassinado no RS, diminuir o poder de punição das escolas nesse tempo é mais do que um erro do Estado: é um erro criminoso. As crianças, às vezes, clamam pela punição, porque, ao puni-las, pais e educadores demonstram que zelam por elas. Punição justa não é maldade; é interesse, é cuidado, é atenção. As crianças brasileiras e o povo brasileiro estão carentes de punição, não de crueldade. Carentes de autoridade, não de autoritarismo. Punam os filhos do Brasil. Punam! E mostrarão que se importam com eles.

domingo, 3 de agosto de 2014

CONTROVÉRSIAS NO ROL DE CRIMES DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO

IDECRIM, 2011
http://www.idecrim.com.br/index.php/direito/27-juizado-criminal

Direito - Juizado Criminal

MARCELO MATIAS PEREIRA

LEI 9.099/95: BREVES CONSIDERAÇÕES E QUESTÕES PONTUAIS


I) Competência dos Juizados Especiais e a Previsão Constitucional – artigo 98, inciso I, da C.F.
Estabelece o artigo 98, inciso I da C.F. que:
“A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:
I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau;”
Trata-se de evidente competência constitucional, porque prevista na carta magna, em razão da matéria, vale dizer crimes de menor potencial ofensivo, os quais devem ser definidos em lei ordinária, e, em razão disto, absoluta.


II) Definição de infração de menor potencial ofensivo.
1) A Lei 9.099/95.
A definição de infração de menor potencial ofensivo foi inicialmente apresentada pela Lei 9.099/95, que em seu artigo 61 estabelecia que são infrações de menor potencial ofensivo “as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima, não superior a 01 (um) ano, excetuados os casos em que a lei preveja procedimento especial”.
Assim o legislador considerava infração de menor potencial ofensivo as contravenções penais, bem como os crimes que não fossem apenados com pena privativa de liberdade superior a 01 (um) ano, desde que não tivessem procedimento especial legalmente previsto.
Claramente se verifica que o critério adotado pelo legislador da época foi o montante de pena privativa de liberdade para definir o que seja infração de menor potencial ofensivo, não interessando se o agente era portador ou não de maus antecedentes ou reincidente, o que deveria ser levado em conta apenas na concessão ou não dos benefícios previstos em lei.


2) A Lei 9.503/97 - CTB – A Primeira Controvérsia.
Com o advento da Lei 9.503/97 surgiu a primeira controvérsia, por força do disposto no artigo 291:


Art. 291 - Aos crimes cometidos na direção de veículos automotores, previstos neste Código, aplicam - se as normas gerais do Código Penal e do Código de Processo Penal, se este Capítulo não dispuser de modo diverso, bem como a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, no que couber.
Parágrafo único. Aplicam-se aos crimes de trânsito de lesão corporal culposa, de embriaguez ao volante, e de participação em competição não autorizada o disposto nos artigos 74, 76 e 88 da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995.
2.1. - Não transformação destes delitos em infrações de menor potencial ofensivo.

O legislador, no art. 291, parágrafo único, Código de Trânsito Brasileiro, não transformou os delitos de lesão corporal culposa (artigo 303 – pena máxima de 02 (dois) anos), embriaguez ao volante (artigo 306 – pena máxima de 03 (três) anos) e participação em competição não autorizada (artigo 308 – pena máxima de 02 (dois) anos), em delitos de menor potencial ofensivo, uma vez que tal transformação somente seria possível com a modificação da Lei n. 9.099/95.
A intenção do legislador foi apenas de estender benefícios que eram concedidos às infrações de menor potencial ofensivo a crimes que não ostentam esta qualidade, vale dizer que, sem esta previsão, não seria possível que os autores destes delitos fossem beneficiados por exemplo com a transação penal, em razão da pena máxima abstratamente cominada ultrapassar o limite legalmente previsto no conceito de menor ofensividade.

2.2. Instauração de Inquérito Policial e não lavratura de Termo Circunstanciado.
Não sendo infrações de menor potencial ofensivo, à época, deveria ser instaurado inquérito policial, o qual uma vez relatado, entendendo o Ministério Público haver indícios suficientes de autoria, deveria propor a realização de audiência preliminar.

2.3. Procedimento Sumário.
Realizada a audiência preliminar e não surtindo efeito a composição dos danos civis ou a transação penal, conforme o caso, o Ministério Público deveria ter vista dos autos para o oferecimento da denúncia, seguindo-se o rito sumário e não o sumaríssimo, da Lei 9.099/95, reservado às infrações de menor potencial ofensivo.

2.4. Benefícios aplicáveis.
Assim sendo, aplicam-se aos crimes lesão corporal culposa os arts. 74 (reparação de dano, como forma de extinção da punibilidade), 76 (transação penal) e 88 (ação penal pública dependente de representação) da Lei n. 9.099/95.
Contudo no que concerne aos crimes de embriaguez ao volante e participação em competição não autorizada os dispositivos não são aplicáveis, haja vista a inexistência de vítima determinada, a inocorrência de dano real para ser reparado, e a impossibilidade de se exigir a manifestação de vontade da vítima, uma vez que o crime tem como objetividade jurídica a incolumidade pública.
Assim a estes crimes somente poderá ser aplicado o artigo 76 que trata da transação penal.

3) Lei 10.259/01 nova controvérsia.
Com o advento da Lei 10.259/01, Lei dos Juizados Especiais Civis e Criminais no âmbito da Justiça Federal, nova controvérsia se instalou, eis que tal diploma legislativo estabeleceu como crimes de menor potencial ofensivo, em seu artigo 2º, p.u. os crimes que a lei comine pena máxima de 02 (dois) anos ou multa, não fazendo qualquer ressalva concernente ao procedimento especial.
O artigo 20, por seu turno, veda expressamente a aplicação desta lei no juízo Estadual:
“Art. 20. Onde não houver Vara Federal, a causa poderá ser proposta no Juizado Especial Federal mais próximo do foro definido no art. 4o da Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995, vedada a aplicação desta Lei no juízo estadual.”

3.1. Todos os Crimes São Federais.
É evidente a inconstitucionalidade deste dispositivo, eis que no Brasil não existe a divisão das infrações penais em crimes federais, estaduais e municipais, como em outros países. Todos os crimes são federais, contudo, por uma questão de organização judiciária, eles são divididos em de competência da Justiça Estadual e da Justiça Federal.

3.2. Princípios da igualdade e proporcionalidade.
Outrossim, o mesmo crime praticado contra um agente federal seria infração de menor potencial ofensivo, ao passo que praticado contra um policial civil ou militar do Estado seria crime comum, o que evidentemente fere o princípio da igualdade, além de não observar o princípio da proporcionalidade.
Por estas razões acabou-se pacificando a questão no sentido de que a Lei 10.259/01 teria trazido um novo conceito de infração de menor potencial ofensivo, vale dizer aquela cuja pena máxima não superasse o patamar de 02 (dois) anos, possuindo ou não procedimento especial, em que pese no que diz respeito a isto, havia ainda uma certa divergência, havendo decisão do Supremo Tribunal Federal no sentido de que os crimes de imprensa, por possuírem procedimento especial, em que pese tivessem pena máxima não superior a dois anos, não seriam infrações de menor potencial ofensivo.

3.3. A Lei 10.259/01 e os crimes do Código de Trânsito.
A questão, no que concerne aos crimes de lesão corporal e de competição não autorizada, previstos no CTB, restou resolvida com o advento da Lei 10.259/01, eis que estas passaram a ser infrações de menor potencial ofensivo.
Contudo é de se observar que considerando o artigo 303 “caput” do CTB, já que se ocorrer a hipótese do seu parágrafo único a pena máxima sofre aumento de ½ (aumento máximo), deixando, assim, de ser infração de menor potencial ofensivo.
O mesmo não ocorre com a embriaguez ao volante, que não é infração de menor potencial ofensivo, devendo ser lavrado o inquérito policial ou auto de prisão em flagrante, conforme o caso, sendo que deve ser realizada audiência preliminar para possibilitar a transação penal, aplicável à espécie.
Não é outra conclusão que se abstrai do Enunciado de número 54 do Fórum Permanente de Juízes Coordenadores dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Brasil.
Enunciado 54 “ O processamento de medidas despenalizadoras, aplicáveis ao crime previsto no artigo 306 da Lei 9.503/97, por força do parágrafo único do artigo 291 da mesma Lei, não compete ao Juizado Especial Criminal.”

4. O Estatuto do Idoso – nova controvérsia.
O Artigo 94 da Lei 10.741/03, Estatuto do Idoso, estabelece que as infrações penais com pena máxima privativa de liberdade não superior a 04 (quatro) anos devem estar sujeitas ao procedimento previsto na Lei 9.099/95.
Os crimes definidos no mesmo estatuto são de ação pública incondicionada, na forma do que dispõe o artigo 95.

Evidente que foi intenção do legislador possibilitar a aplicação do procedimento sumaríssimo a estes crimes, com vistas a maior celeridade na apuração e julgamento das infrações penais em questão, as quais ganharam foros de crimes previstos em lei especial, garantindo com isto o necessário respeito ao idoso.

Contudo, de forma idêntica que ocorreu com os crimes previstos no Código de Trânsito Brasileiro, não se criou uma nova definição jurídica de crimes de menor potencial ofensivo, mas, tão somente, determinou-se a aplicação de um procedimento mais simplificado e célere que o ordinário e sumário, previstos no Código de Processo Penal.

Observe-se que não se pode confundir o direito material com o processual, de modo que o conceito de infração de menor potencial ofensivo, pertencente ao campo do primeiro, não pode ser confundido com a questão relativa a competência, exclusiva do segundo.

É certo que ambos se entrelaçam na medida em que a competência em razão da matéria é ditada pelo conceito de direito material, mas uma coisa não pode ser confundida com outra, sob pena de ofensa ao princípio lógico da identidade.
Assim, sendo as infrações de menor potencial ofensivo, conceito de direito material, continuam sendo previstas no artigo 2º, parágrafo único da Lei 10.259/01, sem qualquer interferência por parte do Estatuto do Idoso, o qual no artigo 94, ao menos na parte em comento, tratou de questão eminentemente processual, ligada a procedimento, não tendo, em nenhum momento, tratado de competência em razão da matéria.

Desta forma, as infrações previstas no Estatuto do Idoso, com pena superior a dois anos, deverão ser julgadas na Justiça Comum, observando-se o procedimento previsto na Lei 9.099/95, vale dizer o sumaríssimo.

Inaplicável, aos crimes previstos no Estatuto do Idoso, o instituto da composição dos danos civis, previsto no artigo 74 da Lei 9.099/95, eis que este implica em renúncia tácita ao direito de representação ou de queixa, na forma do p.u. do mesmo dispositivo, institutos próprios das infrações que se processam mediante ação pública condicionada à representação e ação penal de iniciativa privada, como deixa clara a interpretação em conjunto deste dispositivo com o disposto no artigo 75 do referido diploma legislativo, já que os crimes previstos na nova lei se processam mediante ação pública incondicionada, na forma do disposto no artigo 95, já referido.

Não podem os autores das infrações penais, com penas superiores a dois anos, definidas no Estatuto do Idoso, serem beneficiados com a transação penal, prevista no artigo 76 da Lei 9.099/95, eis que, conforme já afirmado, estes crimes não são de menor potencial ofensivo, de modo que ofende a interpretação teleológica da nova lei a conclusão que sustenta esta possibilidade, já que elevadas estas infrações a categoria de especiais, foi intenção do legislar estabelecer um tratamento diferenciado, em benefício do idoso e de sua dignidade.

Observe-se que no artigo 99 da Lei 10.741/03, encontramos a previsão do crime de exposição do idoso à perigo, com redação muito parecida e com penas idênticas às estabelecidas para o crime previsto no artigo 132 do Código Penal.

A forma qualificada de ambas as infrações penais, quando resulta lesão corporal de natureza grave, é punida com pena máxima de 04 (quatro) anos de reclusão.

Em se admitindo a transação penal para os crimes previstos no Estatuto do Idoso, com penas não superiores a 04 (quatro) anos, dever-se-ia admitir, por uma questão de igualdade e proporcionalidade o mesmo benefício ao artigo 132 do Código Penal.

Por outro lado entendendo-se que as infrações punidas com pena máxima não superior a 04 (quatro) anos seriam de competência do Juizado Especial Criminal, também deveriam lá ser processados e julgados os crimes de furto simples, apropriação indébita (que possui similar no artigo 102 do Estatuto) e estelionato, já que na forma do que dispõe o “caput”, destes dispositivos, não possuem os mesmos penas máximas superiores a 04 (quatro) anos.
Inúmero seria o rol de infrações penais que seriam deslocadas para a competência do Juizado Especial Criminal, o que, de certo, não foi a intenção do legislador, de modo que mostra-se equivocada tal interpretação, ferindo a finalidade da nova lei.

Assim sendo, são infrações penais de menor potencial ofensivo as previstas nos artigos 96 “caput” e §§ 1º e 2º, 97 e § único, 1ª figura, 99 “caput”, 100, 101, 103, 104 e 109, estando sujeitas ao procedimento sumaríssimo previsto na Lei 9.009/95, podendo ser seus autores beneficiados com a transação penal, de que trata o artigo 76 deste último estatuto.

Não são infrações de menor potencial ofensivo, porque possuem pena máxima superior a 02 (dois) anos, os crimes previstos nos artigos 97 parágrafo único, 2ª figura, 98, 99 §§ 1º e 2º, 102, 105, 106, 107 e 108, estando sujeitas ao procedimento sumaríssimo previsto na Lei 9.099/95, não podendo seus autores serem beneficiados com a composição dos danos civis, como forma de extinção da punibilidade, bem como da transação penal, de que tratam os artigos 74 e 76 da Lei 9.099/95, devendo o processo tramitar pelo juízo comum e não pelos juizados especiais.

Poderão os autores dos crimes mencionados ser beneficiados com a suspensão do processo, na forma do artigo 89 da Lei 9.099/95, desde que a pena mínima não seja superior a 01 (um) ano, vale dizer nas hipóteses dos artigos 96 “caput” e §§ 1º e 2º, 97 “caput” e §1º, 1ª figura, 98, 99 “caput” e § 1º, 100, 101, 102, 103, 104, 105 e 109.

5- Lei 11.313/06 e a nova definição de infração de menor potencial ofensivo.
“Art. 60. O Juizado Especial Criminal, provido por juízes togados ou togados e leigos, tem competência para a conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência.

Parágrafo único. Na reunião de processos, perante o juízo comum ou o tribunal do júri, decorrentes da aplicação das regras de conexão e continência, observar-se-ão os institutos da transação penal e da composição dos danos civis.” (NR)
“Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa.” (NR)

Esta lei veio a deitar uma pá de cal na discussão até então existente, estabelecendo que são infrações de menor potencial ofensivo as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 02 (dois) anos, cumulada ou não com a multa, vale dizer independentemente de possuir ou não procedimento especial.
Em que pese o professor Antonio Scarance Fernandes ter se pronunciado pela constitucionalidade desta norma, conforme Boletim do IBccrim nº 166 de Setembro de 2.006, em artigo intitulado “As reflexões sobre a Justiça Consensual no Brasil”, entendemos ser a mesma inconstitucional, senão vejamos:

A competência para o julgamento das infrações de menor potencial ofensivo é ditada pela Constituição Federal, em seu artigo 98, inciso I, não havendo qualquer ressalva quanto às hipóteses previstas em lei, vale dizer relacionadas com a conexão e a continência, que são institutos decorrentes de norma infraconstitucional.

Ora se a competência dos Juizados Especiais decorre da Constituição Federal é material e absoluta, não havendo qualquer ressalva, não pode a lei infraconstitucional retirar dos Juizados Especiais a competência para julgar infrações de menor potencial ofensivo, ainda que haja conexão ou continência com outras que não são infrações de menor potencial ofensivo, eis que estes institutos são decorrentes de norma infraconstitucional.
Vale dizer que havendo conexão com um crime comum, este deve ser julgado na justiça comum e a infração de menor potencial ofensivo no Juizado Especial Criminal.

Nem se alegue a competência do Júri, pois ela é mínima, na forma exposta de forma unânime pela doutrina, atraindo, assim, os crimes conexos, na forma estabelecida na legislação infraconstitucional.

Vale dizer que no caso do Júri a norma infraconstitucional não lhe retira competência, o que não poderia fazer, sob pena de inconstitucionalidade, apenas atrai outros delitos que a ele são conexos.

Havendo concurso de infrações de menor potencial ofensivo é tranqüila a jurisprudência do Colégio Recursal Criminal Central no sentido de que se a somas das penas máximas ultrapassa o patamar de 02 (dois) anos a competência deixa de ser do Juizado Especial Criminal, não se tratando de infração penal de menor potencial ofensivo.

Na condição de Presidente do Colégio Recursal sou voto vencido, pois entendo que o fato de haver concurso de infrações penais de menor potencial ofensivo, não lhes retira esta qualidade, apenas pode, quando muito, lhe obstar o benefício da transação penal, eis que por mais pleonástico que pareça, o fato o que temos é concurso de infrações de menor potencial ofensivo e não outra categoria de crime que venha a surgir em razão das infrações terem sido praticadas em concurso.

Vale dizer que o fato de terem sido praticadas várias lesões corporais em concurso não as transforma em tentativa de homicídio.
Neste entendimento há ofensa ao princípio lógico da identidade, eis que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa, vale dizer uma coisa somente pode ser igual a ela mesma e não a outra.

O fato de termos concurso de infrações de menor potencial ofensivo temos infrações de menor potencial ofensivo em concurso, as quais são de competência do Juizado Especial criminal, sendo que é outra coisa a questão relacionada ao cabimento ou não de eventual beneficio, em razão de se ultrapassar o teto máximo legalmente exigido para tanto.
É de se observar, também que, tendo sido a infração penal julgada por juízo comum e não pelo juizado e inobservado o procedimento sumaríssimo, é o Tribunal de Justiça competente para conhecer e julgar eventual recurso e não a Turma Recursal, neste sentido:

"Desacato. Crime de menor potencial ofensivo. Sentença proferida por Juiz de Direito da Justiça Comum. Recurso para o Tribunal de Justiça. A competência para julgar recurso de apelação interposto contra sentença proferida por Juiz de Direito da Justiça Comum é do Tribunal de Justiça, não da Turma Recursal. ‘As disposições concernentes a jurisdição e competência se aplicam de imediato, mas, se já houver sentença relativa ao mérito, a causa prossegue na jurisdição em que ela foi prolatada, salvo se suprimido o Tribunal que deverá julgar o recurso’ (Carlos Maximiliano)." (HC 85.652, Rel. Min. Eros Grau, DJ 01/07/05)

"Competência recursal: crime de menor potencial ofensivo: se o réu foi processado e condenado pela Justiça comum, compete ao Tribunal de Justiça e não à Turma Recursal a apreciação do mérito da apelação criminal. Juizado Especial: cuidando-se de processo por crime de imprensa, cuja apuração é regida por lei especial (L. 5.250/67), não compete ao Juizado Especial o julgamento da ação penal." (HC 88.428, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 10/08/06)

6) Lei 11.340 – Lei Maria da Penha - nova polêmica.
Devemos fazer uma distinção entre violência doméstica gênero e violência doméstica espécie.
A primeira envolve situação de violência doméstica, que tem com vítima o ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade.

A segunda envolve a violência doméstica praticada contra a mulher.
Esta lei, em que pese tenha alterado a pena da violência doméstica gênero, prevista no artigo 129 § 9º, do Código Penal, elevando-a para o patamar máximo de 03 anos, reduziu a pena mínima que era de 06 (seis) meses para 03 (três) meses.

Esta Lei, por inteiro, trata da violência doméstica espécie, vale dizer contra a mulher, tendo o legislador perdido a oportunidade de regulamentar a violência doméstica como um todo, deixando o mais ao desamparo destas novas medidas apresentadas.

Criou esta lei, em seu artigo 14, os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a mulher, com competência civil e criminal, competentes para julgamento e execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher.

Bastante polêmico é o artigo 41 desta lei que afirma não ser aplicável a Lei 9.099/95 aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independente da pena prevista.

A constitucionalidade deste dispositivo pode evidentemente ser questionada, eis que o artigo 5º, inciso I, da CF, estabelece que homens e mulheres são iguais em direitos e deveres, havendo proibição de qualquer discriminação nesse sentido.
Outrossim, o artigo 226, § 5º, da C.F. estabelece que os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.
Ainda é de se lembrar o disposto no § 8º do mesmo dispositivo que determina que o Estado assegurará assistência à família na pessoa de cada um que dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações, cuidando o legislador constituinte da violência doméstica gênero e não da espécie como a norma em estudo.
Fez o legislador ordinário uma discriminação não autorizada pelo legislador constituinte.

Ora é evidente o absurdo, eis que se uma mulher for vítima de uma ameaça não será cabível a transação penal, a suspensão do processo ou qualquer outro benefício, ao passo que se a mulher for autora da ameaça será possível a transação penal. Me parece algo insustentável.

Mas ultrapassada a questão da constitucionalidade, qual seria o alcance da norma em questão.

Alguns já se inclinam em afirmar que vedando a aplicação da Lei 9.099/95, o legislador teria tornado a lesão corporal dolosa, praticada no âmbito doméstico e familiar contra a mulher, em crime que se processa por ação pública incondicionada, eis que a necessidade da representação foi trazida pela Lei 9.099/95, em seu artigo 88.

Não nos parece a melhor interpretação, eis que a intenção clara do legislador foi de impedir a concessão dos benefícios da mencionada lei, como a transação penal e a suspensão do processo.

Observe-se que o artigo 16, ao tratar da renúncia ao direito de representação, condiciona a sua admissibilidade a sua apresentação em juízo, em audiência especialmente designada para esta finalidade.

Poder-se-ia dizer que este dispositivo se refere p.ex. ao crime de ameaça, cuja a necessidade de representação decorre do Código Penal e não da Lei 9.099/95.

O artigo 17, por seu turno, veda a aplicação de penas de “cesta básica” ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa, revelando a nítida intenção do legislador em impedir a concessão de benefícios ao agente.

Dentro do nosso tema é importante então ressaltar que os crimes praticados contra a mulher em situação de violência doméstica e familiar não são infrações de menor potencial ofensivo, estando sujeitas a julgamento pelo Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, ressalvado o entendimento da inconstitucionalidade do disposto no artigo 41 da Lei 11.340/06.

Enquanto não instalados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a mulher, as varas criminais deverão acumular a competência cível e criminal para conhecer e julgar as causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, na forma do artigo 33.

São previstas medidas protetivas de urgência nos artigos 22 a 24, as quais poderão ser requeridas pela ofendida ou pelo Ministério Público, na forma do artigo 19, “caput”, e serão decididas pelo juiz, independentemente de manifestação da parte contrária ou do “Parquet”, conforme estabelece o § 1º, deste último dispositivo.

A autoridade policial deve remeter em expediente em apartado, vale dizer com natureza cautelar, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, o pedido da ofendida para a concessão de medidas protetivas, na forma do artigo 12 da mencionada lei.

Estas medidas protetivas, por seu caráter cautelar, não podem vigorar indefinidamente no tempo, sendo aplicáveis subsidiariamente as disposições do Código de Processo Civil, na forma do artigo 13 da Lei 11.340/06.
Assim sendo, dado ao caráter eminentemente cautelar que possuem, devem ser concedidas com prazo de 30 (trinta) dias, devendo a beneficiária das mesmas propor a ação principal, vale dizer de separação judicial ou alimentos, no juízo próprio, que é o da família, neste prazo, sob pena de perda da eficácia da medida concedida, na forma do artigo 806 do Código de Processo Civil.

O cumprimento das medidas deverá ser realizado por oficial de justiça, sendo possível a requisição de auxílio da força policial, a qualquer momento, se assim entender necessário o juiz, na forma do § 3º, do artigo 22, da Lei 11.340/06.
Outras medidas podem ser determinadas e cumpridas através da mera expedição de ofícios, conforme se verifica dos artigos 22, § 2º e 24, p.u. da Lei 11.340/06.

É importante ressaltar que a compet ência dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a mulher somente se estabelece em ocorrendo a situação fática da prática de um crime nestas circunstâncias, ressalvando-se a competência das varas da família, para o processamento dos pedidos de separação, guarda e alimentos, tendo as medidas deferidas por aqueles, nítido caráter cautelar e com validade limitada no tempo, ocasião em que a questão deverá ser reapreciada no juízo próprio.

7) Lei 11.343/06 - nova polêmica.
O artigo 48, § 1º, da Lei 11.343/06 Lei Antitóxicos estabelece que o agente de qualquer das condutas previstas no artigo 28, salvo se houver concurso como os crimes previstos nos artigos 33 a 37, será processado e julgado na forma do artigo 60 e seguintes da Lei 9.099/95, que dispõe sobre os Juizados Especiais Criminais.

Todos nós sabemos que havendo concurso de porte de substância para uso próprio e tráfico de drogas o agente deverá ser responsabilizado pelo crime mais grave, havendo a absorção da infração penal de menor gravidade.

A questão que pode suscitar o debate é se tivermos conexão entre o crime do artigo 28 e as figuras previstas nos artigos 33 a 37. Vale dizer na hipótese de termos uma pessoa devendo ser processada por infração ao artigo 28, na condição de comprador para uso pessoal, e outra pessoa por infração ao artigo 33 na condição de vendedor. Nos parece que deve haver a cisão do processo, não se aplicando as regras de conexão, sob pena de inconstitucionalidade, na forma anteriormente apontada, eis que estar-se-ia retirando competência do Juizados Especiais Criminais, a qual é material, absoluta e constitucional.

O § 2º, do artigo 48, em se tratando de infração ao artigo 28, determina que seja lavrado termo circunstanciado, não sendo possível a apresentação imediata do autor do fato, não se impondo a prisão, na forma do § 3º.
A proposta de transação penal, de conformidade com o que dispõe o artigo 48 § 5º, na hipótese do artigo 28 desta lei, somente poderá ser de aplicação das penas previstas no próprio artigo 28, ou seja de advertência sobre os efeitos das drogas, prestação de serviços à comunidade e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

Temos também como infrações de menor potencial ofensivo as previstas no § 3º do artigo 33, que trata do oferecimento de droga para consumo conjunto, que é punida com pena máxima de 01 (um) ano e a prevista no artigo 38, que trata da prescrição culposa de drogas, que é punida com pena máxima de 02 anos.

III) Critérios Orientativos e finalidades principais.
O artigo 62 da Lei 9.099/95 aponta que o processo perante o Juizado Especial deve orientar-se pelos critérios da oralidade, informalidade, economia processual e celeridade visando a reparação dos danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade.
Assim sendo, podemos afirmar que os critérios orientativos do juizado são quatro, ou seja: da oralidade, informalidade, economia processual e celeridade.

A finalidade primordial do mesmo é a reparação do dano causado a vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade.

1) A oralidade é visualizada nas seguintes previsões legais:
1) o registro dos atos realizados em audiência em fita magnética ou equivalente, na forma do artigo 65 § 3, da Lei 9.099/95,
2) a possibilidade de representação verbal, na forma do artigo 75,
3) a denúncia é oral, na forma do artigo 77, devendo ser apresentada defesa também oral, na forma do artigo 81.
4) Na audiência todos os depoimentos podem ser gravados, lavrando-se apenas um termo de resumo dos fatos.

2) A informalidade é claramente identificada nas seguintes hipóteses:
1) a substituição do Inquérito policial por simples termo circunstanciado,
2) A citação que pode ser feita no próprio Juizado- artigo 66,
3) A intimação que deve ser feita por correspondência, com aviso de recebimento – art. 67.
4) A conciliação pode ser realizada por juiz ou conciliador;
5) A prova da materialidade da infração penal que pode ser feita por boletim médico, dispensado o exame de corpo de delito – art. 77 § 1º.
6) Na sentença é dispensado o relatório – art. 81 § 3º.
7) A possibilidade de confirmação da sentença por súmula de julgamento – art. 82 § 5º.

3) A economia processual e a celeridade.
Parece evidente que com a informalidade e a oralidade atingir-se-á a economia processual, vale dizer evitando-se a prática de atos inúteis e com isto se alcança, por obvio a celeridade processual, vale dizer a rápida solução do litígio, que deve consistir em regra pela composição dos danos civis da vítima e pela não imposição pena privativa de liberdade.

IV - Juizados Especiais no Estado de São Paulo.
Na Capital temos o Juizado Especial Criminal Central e o Juizado Especial Criminal de Itaquera, nestes são processadas as infrações de menor potencial ofensivo relacionadas com a sua competência territorial.
Nos demais Foro Regionais as varas criminais regionais acumulam a competência da vara criminal comum e dos Juizados Especiais Criminais.
No que concerne a Colégio Recursal os recursos das decisões proferidas na capital, no âmbito dos Juizados Especiais, são dirigidos ao Colégio Recursal Central.

As varas criminais, onde não há vara especializada do Juizado, acumulam a competência do Juizado Especial Criminal, sendo que os recursos das decisões ali proferidas devem ser remetidos para o Colégio Recursal que fica na sede da circunscrição.

V - Fase pré-processual.
1) Providencias Preliminares.
Tomando conhecimento da prática de uma infração penal a autoridade policial deve lavrar o termo circunstanciado e encaminhá-lo imediatamente, bem como as partes, ao Juizado Especial Criminal, na forma do que estabelece o artigo 69 da Lei 9.099/95.
Evidentemente que não há estrutura em São Paulo para o encaminhamento de pronto das partes, levando com que a autoridade policial apenas elabore o termo circunstanciado, encaminhando-o ao Juizado Especial Criminal.
Não se impõe a prisão em flagrante ou pagamento de fiança, na forma do p.u. do mesmo dispositivo ao autor do fato que firme compromisso de comparecer ao Juizado Especial Criminal.
Aberta a vista ao Ministério Público o mesmo poderá de imediato requerer o arquivamento, entendendo que há atipicidade da conduta ou requerer a realização de audiência preliminar.

2) Audiência preliminar.
2.1 composição dos danos civis e representação.
Na audiência preliminar, que pode ser presidida por juiz togado ou conciliador, sob sua orientação, deve ser tentada a composição dos danos civis, sendo que esta representa a renúncia tácita ao direito de queixa ou de representação, na forma do p.u. do artigo 74, gerando a extinção da punibilidade, bem como título executivo que poderá ser executado no juízo cível competente, desde que homologada pelo juiz togado.

Na composição dos danos civis não há participação do Ministério Público, embora o mesmo possa estar presente à audiência.
Não havendo a composição será dada oportunidade ao ofendido de oferecimento de representação, caso já não a tenha oferecido, hipótese em que poderá retratar-se ou reiterá-la.

O não oferecimento de representação, nesta audiência, não implica em decadência, a qual somente se opera quando do transcurso do prazo de 06 (seis) meses contados do conhecimento da autoria da infração penal (artigo 75 p.u.).

Não há um prazo especial para oferecimento da representação, como interpretam alguns este dispositivo, o qual somente começaria a fluir a partir da audiência preliminar.

A celeridade do processo no juizado, que acreditava o legislador ter, ao criar a legislação específica, presume que a audiência seja realizada antes do transcurso do prazo de 06 (seis) meses do conhecimento da autoria criminosa, vale dizer que o fato da vítima não oferecer a representação naquele momento, nada a impedia de oferecer posteriormente, dentro do prazo de 06 (seis) meses, que ainda não havia escoado, quando da realização da audiência preliminar.

2.2. Transação penal.
Superada a fase de composição dos danos civis, oferecida a representação ou em se tratando de ação pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a imediata aplicação de pena restritiva de direitos, ou seja prestação pecuniária, perda de bens e valores, prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas, interdição temporária de direitos ou limitação de fim de semana, na forma do artigo 43 do Código Penal, ou multa, na forma do que dispõe o artigo 76 da Lei 9.099/95.

Trata-se de um verdadeiro acordo que é celebrado entre o Ministério Público e o autor do fato, onde aquele se obriga a não propor a ação penal, desde que este cumpra uma das penas propostas. É uma forma de mitigar o princípio da obrigatoriedade da ação penal, fazendo surgir o princípio da discricionariedade regrada ou limitada, ou seja o órgão acusador poderá não propor a ação penal, uma vez preenchidos os requisitos legais para a formulação de proposta de transação penal.

2.2.1. Requisitos para a formulação da proposta de transação penal.
Para a formulação da proposta de transação penal são exigidos os seguintes requisitos:
1) O crime não possua pena privativa de liberdade superior a 02 anos ou seja contravenção penal.

2) Não ter sido o agente condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por sentença definitiva. Há quem entenda que esta condenação não pode ter sido expurgada pelo prazo da reincidência, na forma do artigo 64, inciso I, do Código Penal, hipótese em que se não gera reincidência não poderia obstar a concessão do benefício da transação penal.

3) Não ter sido o autor do fato beneficiado com o instituto da transação penal no prazo de 05 (cinco) anos.

4) Não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, ser necessária e suficiente a adoção desta medida.

2.2.2. Titularidade para oferta da proposta.
Muito se discute a respeito de quem pode oferecer a proposta de transação penal, em se tratando de crime que se processa mediante ação penal de iniciativa privada.

Entendemos que a transação penal não pode servir como instrumento de vingança, razão pela qual a titularidade da oferta da proposta deve ser reservada ao Ministério Público.

Outrossim, em se tratando de aplicação de pena, ainda que de forma antecipada, é o Ministério Público, na condição de órgão estatal é que pode fazê-lo, pois não pode o particular apresentar proposta de aplicação de pena, traduzindo-se em verdadeira vingança privada. É de se observar que todas as ações penais são públicas, sendo que a chamada impropriamente de privada é na realidade de iniciativa privada, não perdendo por esta razão o caráter de pública.

Em se tratando de ação penal pública condicionada ou incondicionada o ofendido não participa da transação penal e não pode insurgir-se contra a decisão que a homologa ou julga extinta a punibilidade pelo seu cumprimento.

2.2.3. Aceitação da proposta.
Formulada a proposta a mesma deve ser aceita pelo autor do fato e seu defensor, na forma do artigo 76, § 3º, da Lei 9.099/95. Trata-se de ato composto ou complexo, o qual para surtir os efeitos depende da aceitação de ambos, vale dizer do autor do fato e de seu defensor. Há contudo, entendimento em contrário, sustentando que basta a aceitação do autor do fato, pois se ele pode o mais, que é destituir o defensor poderá aceitar a proposta.

A aceitação da proposta não implica em reconhecimento de culpabilidade, devendo ser homologada pelo juiz, se rejeitada pelo defensor ou autor do fato, deverá ser oferecida denúncia oral.

2.2.4. Discordância do Juiz.
O juiz não está obrigado a concordar com a proposta ou o seu não oferecimento, mas somente pode haver discordância deste no que diz respeito ao aspecto da legalidade ou ilegalidade.

Pode o magistrado nesta hipótese aplicar o artigo 28 do Código de Processo Penal, por analogia, encaminhando os autos para o Procurador Geral de Justiça para a solução.

Outra saída se vislumbra na hipótese do Promotor de Justiça se negar a oferecer a transação penal, quando a mesma é nitidamente cabível, oferecendo desde logo a denúncia. Deverá o magistrado rejeitar a denúncia oferecida, por falta de interesse de agir do Ministério Público, na forma do artigo 43, inciso III, do Código de Processo Penal, ensejando, assim, recurso à superior instância e reexame do cabimento ou não da proposta.
Entendemos, contudo, que não pode o juiz substituir o promotor de justiça e ele oferecer a proposta, sob pena de ofensa ao artigo 129, inciso I, da Constituição Federal.

2.2.5. Decisão Homologatória da Transação Penal.
Na hipótese de ser a multa a única aplicável o juiz poderá reduzi-la pela metade, na forma do artigo 76 § 1º, da Lei 9.099/95.
Da decisão homologatória caberá apelação, na forma do artigo 76, § 5º, da Lei 9.099/95.

A maioria entende que esta decisão homologatória é condenatória imprópria, fazendo coisa julgada material e formal.
Particularmente entendo que se trata de mera decisão de cunho declaratório e homologatória, eis que não há nela reconhecimento de culpabilidade e não importará em antecedentes criminais, apenas servindo para impedir novo benefício no prazo de 05 (cinco) anos. Nesta o autor do fato aceita a imposição antecipada de multa apenas para não se ver processado, para que não venha a ser submetido ao desgaste natural decorrente do processo.

2.2.6. Descumprimento da transação penal.
Uma vez imposta uma pena restritiva de direitos não há que se falar em reconversão, já que esta pressupõe a conversão, o que não ocorre na transação penal.

Ora a conversão opera-se quando o juiz substitui uma pena privativa de liberdade por uma das restritivas de direitos, operando-se a reconversão, em caso de descumprimento da medida restritiva imposta.
No caso da transação penal não há conversão, razão pela qual não há que se falar em reconversão em pena privativa de liberdade.

Entendemos que neste caso deve ser aberta vista ao Ministério Público para o oferecimento de denúncia, eis que há verdadeiro acordo de vontades entre as partes envolvidas, vale dizer o Ministério Público e o autor do fato, obrigando-se o primeiro a não propositura da ação penal, desde que o segundo cumpra a proposta formulada.

Assemelha-se este instituto a um contrato, onde não poderá a parte exigir o cumprimento da obrigação assumida pela outra se não cumprir a que assumiu nesse instrumento.

Vale dizer que temos nesta hipótese a exceção do contrato não cumprido, somente podendo o autor do fato exigir do Ministério Público que não promova a ação penal se cumprir a transação penal.

Temos na realidade uma exceção da transação penal não cumprida, de modo que não pode o autor do fato se opor ao ajuizamento da ação penal se não cumpriu a sua obrigação assumida, vale dizer por ocasião da aceitação da transação penal.
A sentença homologatória da transação penal não interrompe o prazo prescricional por absoluta falta de previsão legal.

VI – Fase processual.
1) Denúncia e procedimento sumaríssimo.
Oferecida a denúncia ou a queixa a mesma deverá ser reduzida a termo, entregando-se cópia ao acusado, ficando o mesmo devidamente citado e intimado para comparecer a audiência de instrução, debates e julgamento que deverá ser designada pelo juiz, na forma do artigo 78 da Lei 9.099/95.
Também sairão intimados o Ministério Publico, o defensor, a vítima, seu representante legal e seu advogado, se houver.

A citação no juizado deve ser pessoal, ficando afastada a hipótese de se proceder por edital, o que deverá ser realizado no juízo comum, na forma do artigo 66 p.u. da Lei 9.099/95.

As testemunhas devem ser indicadas no prazo de 05 (cinco) dias, antes da audiência, pela defesa, para que sejam intimadas ou poderão ser trazidas ao ato, independentemente de intimação, na forma do artigo 78, § 1º, da Lei 9.099/95.

É perfeitamente possível a oitiva de testemunhas por precatória, caso exista esta necessidade e não sendo caso de seu indeferimento na forma do artigo 81, § 1º, da Lei 9.099/95.
Não tendo havido possibilidade de conciliação e transação penal em audiência preliminar, esta deve ser tentada na audiência de instrução e julgamento, na forma do artigo 79 da Lei 9.099/95.

Não havendo estas deve ser dada a oportunidade para a defesa se manifestar em defesa preliminar, na forma do artigo 81 da Lei 9.099/95.
O magistrado, então, apreciando a defesa preliminar deverá receber ou rejeitar a denúncia, fazendo-o sempre por decisão devidamente fundamentada. Da rejeição caberá apelação no prazo de dez dias, na forma do artigo 82 da Lei 9.099/95, sendo incabível qualquer recurso do seu recebimento, podendo, quando muito, se ingressar com “habeas corpus” se não for proferida sentença neste mesmo ato.

Recebida a denúncia ou queixa deve-se passar a instrução, ouvindo-se a vítima, as testemunhas de acusação e de defesa e por último proceder-se-á o interrogatório do acusado, seguindo-se aos debates orais e sentença, a qual dispensa o relatório, devendo conter, apenas, os elementos de convicção do juiz, bem como a fixação da pena, seguindo-se o critério trifásico, além do dispositivo final.

A apelação, que é o recurso cabível desta decisão, na forma do artigo 82 da Lei 9.099/95, deverá ser interposto, juntamente com as razões (§ 1º), no prazo de 10 (dez) dias, o qual será encaminhado, após a apresentação das contra-razões, ao Colégio Recursal competente, onde deverá ser distribuído a uma das turmas, composta por 03 (três) juízes, em exercício no primeiro grau de jurisdição.

Observe-se que em se tratando de ação penal de iniciativa privada é indispensável o preparo, sob pena de não conhecimento do recurso, na forma da Lei Estadual nº 11.608/03 e do artigo 806, § 2º, do Código de Processo Penal.
São cabíveis os embargos de declaração os quais podem ser opostos oralmente ou no prazo de 05 (cinco) dias, na forma do 83, § 1º, da Lei 9.099/95, sendo que quando opostos contra a sentença suspendem o prazo para recurso, na forma do § 2º, do mesmo dispositivo.

Da decisão proferida pela turma recursal somente tem cabimento o recurso extraordinário, não sendo cabível o recurso especial, na forma da Súmula 203 do STJ, eis que as turmas recursais, não podem ser consideradas verdadeiramente tribunais.
Eventual conflito de competência entre o Tribunal e a Turma Recursal deve ser resolvido pelo Superior Tribunal de Justiça.

VII - Da Suspensão do Processo.
1) conceito, natureza jurídica e iniciativa.
A suspensão do processo, benefício previsto no artigo 89 da Lei 9.099/95, é um instituto despenalizador, criado como alternativa a imposição de pena privativa de liberdade, permitindo-se a suspensão do processo, mediante o atendimento de algumas condições.

Não se discute a culpa, eis que o acusado que o aceita, não assume a culpabilidade, tanto é que uma vez revogada deverá o processo prosseguir, podendo, ao final, o réu vir a ser absolvido.
A iniciativa é do Ministério Público, não podendo o juiz, substituir a vontade do “parquet”, sendo que não concordando com a proposta feita ou não realizada, quando seria cabível, deverá remeter os autos ao Procurador Geral de Justiça, na forma do artigo 28, do Código de Processo Penal, aplicado por analogia, conforme Súmula 696, do S.T.F..

Trata-se de direito público subjetivo do réu, uma vez preenchidos os pressupostos legais para a sua concessão, não podendo o Ministério Público recusar a sua concessão, por mero capricho.

2) Requisitos.
1) crime cuja pena mínima não seja superior a 01 (um) ano. No cálculo da pena mínima devem ser consideradas as causas de aumento de pena e de diminuição, bem como as decorrentes do concurso formal, sendo que em se tratando de concurso material devem ser somadas as penas mínimas, nos termos da Súmula 243 do STJ;

2) não estar sendo processado ou não tiver sido condenado por outro crime. Nesta hipótese a lei fala em crime, sendo irrelevante o processo ou condenação por contravenção. No que concerne a condenação anterior deve ser observado o prazo expurgador da reincidência, na forma do artigo 64, inciso I, do Código Penal.

3) Estarem presentes os demais requisitos que autorizam a concessão da suspensão condicional da pena. Há controvérsia quanto a possibilidade de aplicação do “sursis processual” ao condenado por crime em que tenha sido imposta a pena de multa, eis que tal condenação não impede a concessão da suspensão da execução da pena, na forma do artigo 77, § 1º, do Código Penal.
Entendemos que não há razões lógicas para o impedimento do benefício nesta hipótese, dada a similitude dos institutos, até porque o legislador determina que se observem as demais condições para a concessão da suspensão da execução da pena.

O próprio “sursis” não pode ser concedido ao reincidente em crime doloso, na forma do artigo 77, inciso I, do Código Penal, contudo, esta regra sofre limitação por força do disposto no § 1º, do mesmo dispositivo.
O prazo da suspensão do processo será de 02 a 04 anos.

3) Condições.
1) reparação de dano, salvo impossibilidade de fazê-lo,
2) proibição de freqüentar determinados locais;
3) proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem prévia autorização do juiz;
4) comparecimento pessoal, mensal e obrigatório a juízo para informar suas atividades;
5) podem ser especificadas outras condições, chamadas de judiciais, pois as anteriores são as legais, que o magistrado entender adequadas ao caso concreto (89, § 2º).
As condições judiciais não podem ser vexatórias ou que exponham o acusado ao ridículo, sendo que a reparação do dano é condição legal para a extinção da punibilidade e não para a concessão do benefício.

4) Hipóteses de Revogação e prescrição.
Na forma do § 3º, do artigo 89, a suspensão deverá ser revogada se o beneficiado vem a ser processado no curso do benefício ou deixar de reparar o dano, devendo sempre ser ouvido previamente.
Há forte entendimento que o benefício poderá ser revogado, mesmo após o transcurso do período de prova, em razão de fato ocorrido durante o prazo da suspensão.

O benefício poderá ser revogado, vale dizer trata-se de hipótese de revogação facultativa, se o beneficiário vier a ser processado por contravenção ou descumprir qualquer outra condição imposta, na forma do que estabelece o artigo 89, § 4º, da Lei 9.099/95.
Não havendo revogação do benefício e regularmente cumprido será julgada extinta a punibilidade, na forma do § 5º do artigo 89 da Lei 9.099/95.
A prescrição não corre durante o período da suspensão, na forma do § 6º, do mesmo artigo.

5) Recurso cabível.
No que concerne ao recurso da decisão que homologa a suspensão do processo temos 03 posições:

1) cabe recurso em sentido estrito em analogia ao recurso cabível da decisão que


concede o “sursis”;

2) cabe apelação, pois a decisão é interlocutória mista com força de definitiva.

3) Não cabe recurso em sentido estrito, pois o “sursis” não tem a mesma natureza jurídica da suspensão do processo, sendo que ele é concedido na sentença final, cabendo desta a apelação, de modo que este dispositivo se torna inaplicável. A decisão que determina a suspensão do processo é interlocutória simples, eis que não põem fim ao processo, apenas o suspende, não havendo previsão legal para qualquer recurso na lei 9.099/95.
Eventualmente se houver constrangimento ilegal poderá esta decisão ser atacada por “habeas corpus”, impetrado pelo acusado, ou mandado de segurança, pelo Ministério Público, em razão de ofensa a direito líquido e certo praticada pelo magistrado. Este é o nosso entendimento.


Autor:

MARCELO MATIAS PEREIRA:
Juiz de Direito do Departamento de Inquéritos Policiais e Corregedoria da Polícia Judiciária da Comarca da Capital do Estado de São Paulo;
Presidente do Colégio Recursal Criminal da Capital;
Professor Universitário.