quarta-feira, 7 de setembro de 2016

SÃO OS PRESOS QUE MANDAM



ZERO HORA 07 de setembro de 2016 | N° 18628


RENATO DORNELLES



SEGURANÇA JÁ




Se havia alguma dúvida, não existe mais: as grandes galerias do Presídio Central, que concentram centenas de presos (em pelo menos uma delas há cerca de 500), são totalmente controladas pelas facções criminosas. Até aqui, havíamos assistido a várias demonstrações de força, mas nenhuma como a de ontem, quando os autointitulados “Bala na Cara” bateram de frente com o Judiciário, ao não permitir a saída de um preso provisório para uma sessão no Tribunal do Júri.

Situações como essa tendem a se repetir e a se agravar enquanto o Estado, com o aval de boa parte da sociedade, mantiver como única preocupação em relação ao sistema carcerário a segregação dos presos, como se o simples afastamento dos criminosos desse garantias de segurança à sociedade livre. Sobre isso, pergunto: existem muros e grades suficientemente altos a ponto de isolar por completo os presidiários? Não!

O próprio funcionamento do Central comprova isso. A começar pela distribuição dos presos. Não é o Estado que define em qual galeria cada um deles vai ficar. Para evitar o risco de misturá-los com grupos rivais, são distribuídos conforme a facção a qual pertencem.

Ou seja: se tiver ligação com os “Bala na Cara”, será colocado na terceira ou na segunda galerias do pavilhão F, dominada por esse grupo. Se for dos “Manos”, irá para a segunda ou terceira do pavilhão B, e assim sucessivamente. Isso, com a anuência da direção do presídio, do Ministério Público e do próprio Judiciário.

Em outras palavras, as galerias do presídio são forma de organização das facções. Cada uma tem um plantão (ou prefeito, na linguagem dos presos), que faz os contatos com a guarda, a direção do presídio, a Susepe e a Justiça. Em nome da galeria, faz reivindicações, encaminhamentos para assistência médica, transferências. Já houve várias denúncias de cobranças, por parte desses prefeitos, de pedágios para que as demandas fossem providenciadas. Um exemplo ocorreu há uns três anos, com exigência de taxa para acesso à Defensoria Pública. Isso comprova o controle exercido pelo plantão, ou prefeito, na figura do líder da facção ou de alguém nomeado por ele. Para este, quanto mais lotada a galeria, melhor, pois maior será a arrecadação.

O descontrole pelo Estado no interior dos pavilhões, eventuais ocorrências de corrupção, falhas na segurança (seja na entrada de visitantes, seja junto aos muros do presídio), permitem que armamento seja utilizado pelos líderes para a manutenção da ordem, e que o tráfico de drogas seja atividade corriqueira na prisão.

É importante salientar também que o Estado não fornece roupas, material de higiene e de limpeza aos apenados. Esses itens, somados a gêneros alimentícios (uma vez que a alimentação fornecida pela casa é considerada precária), são supridos pelas facções, que cobram por isso. O pagamento, pelos presos, é feito com dinheiro levado por familiares em dias de visitas. Caso isso não ocorra, fica uma dívida, que é cobrada após a progressão de regime ou libertação do detento. A quitação do débito, então, é feita por meio de crimes, como homicídios encomendados, roubos de veículos, assaltos a banco, a residências.

É importante frisar: as facções que atuam nos presídios têm correspondência com grupos do lado de fora, em determinadas regiões da cidade. Apesar disso, a guerra não se desenvolve na prisão, onde os líderes dos bandos, numa espécie de pacto, convivem pacificamente. A ordem é “bronca da rua deve ser resolvida na rua”. Toda e qualquer morte pensada no interior da cadeia deve ser consumado fora dela. Isso explica, em parte, o alto índice de homicídios na Região Metropolitana.

Em suma, em grandes presídios superlotados, como o Central, as facções se fortalecem, arrecadam e comandam crimes praticados do lado de fora. De outra parte, o Estado mantém sua meta de apenas segregar os presos (não investindo na ressocialização, por exemplo), exigindo apenas que não matem, não fujam e não realizem rebeliões, mantendo falso aspecto de calmaria e controle do sistema.

Enquanto isso, a sociedade livre paga um alto preço.

ORDEM DO CRIME BARRA JURI





ZERO HORA 07 de setembro de 2016 | N° 18628


FELIPE DAROIT


SEGURANÇA JÁ. Ordem de facção barra júri



DETENTO FOI IMPEDIDO de sair de galeria do Presídio Central da Capital, dominada pelo bando criminoso Bala na Cara, para participar de julgamento por tentativas de homicídio


Uma sessão do Tribunal do Júri marcada para as 9h30min de ontem, em Porto Alegre, foi cancelada porque o bando criminoso Bala na Cara impediu o réu de ser levado pela Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe). O preso Arilson Luiz de Oliveira seria julgado na 1ª Vara do Júri por dupla tentativa de homicídio – a ficha criminal dele tem mais de 20 antecedes. A Susepe esteve no Presídio Central para fazer o deslocamento, mas não pode levar Oliveira ao Fórum porque os criminosos da facção impediram a saída dele da segunda galeria do pavilhão F, dominada pelo grupo.

O Judiciário foi comunicado e a juíza presidente da 1ª Vara do Júri, Taís Culau de Barros, registrou que “embora tenha sido intimado, o réu não foi conduzido pela Susepe sob alegação de que os apenados da facção ‘Bala na Cara’ teriam se recusado a sair da galeria. Dessa forma, estando o réu preso e não tendo sido conduzido, impossibilita a realização da sessão”.

Segundo o promotor de Justiça Eugênio Paes Amorim, que atua na 1ª Vara, a situação é um “fracasso” que escancara como o Estado não tem mínimo controle das cadeias:

– A facção Bala na Cara impediu o deslocamento do réu e não houve autoridade pública da Susepe para ingressar nas galerias e levá- lo coercitivamente. É o fracasso das instituições. Somos dominados e não dominamos. Quem manda no sistema prisional são os criminosos, e não as autoridades. Algo tem de ser feito, imediatamente.

LOTAÇÃO EM CHARQUEADAS SERIA MOTIVO DO PROTESTO


O julgamento de Oliveira foi remarcado para o dia 16 de setembro. Conforme o juiz da Vara de Execuções Criminais (VEC) da Capital, Sidinei Brzuska, o motivo do bloqueio foi um protesto dos detentos reivindicando vagas nas cadeias. Segundo ele, a Penitenciária Modulada de Charqueadas tem galeria específica para presos da facção Bala na Cara. No entanto, o presídio está interditado, impedindo que integrantes do bando possam ser levados à galeria. Com isso, eles ficam nos bretes, celas pequenas e sem acesso a banho de sol.

O episódio na cadeia da Capital teria sido manifestação de apoio aos detentos de Charqueadas.

– (Os presos) deliberaram que não iriam tomar o café da manhã, almoçar e não fariam liberações até o juiz entrar em contato – explicou o diretor do Central, tenente-coronel Marcelo Gayer Barboza.

A situação voltou ao normal por volta do meio-dia. A Justiça decidiu transferir cinco detentos que estavam nos bretes de Charqueadas para o Central. Outros 18 presos que estavam no presídio da Capital, aguardando vagas no semiaberto, foram levados para a Modulada de Charqueadas.

O impedimento à saída de Oliveira não foi caso isolado ontem.

– Aconteceu com outros presos também. A reivindicação da facção dos Bala na Cara fez com que os apenados se recusassem a vir para as audiências – disse a juíza Taís.

O diretor do Central garante que os brigadianos têm condições de entrar “em todos os espaços do presídio” mas, no caso de ontem, se avaliou que seria melhor evitar possível confronto e aguardar a conversa dos detentos com a VEC para normalizar a situação.