OPINIÃO
Luiz Flávio Gomes
A desastrada reforma do desatualizado Código Penal de 1940 está avançando no Senado, mas ainda depende de aprovação do plenário e da Câmara dos Deputados. Sem as necessárias ações para dar efetividade a toda Justiça criminal, já se sabe que ela jamais irá diminuir a criminalidade. De 1940 a 2013 as leis penais no Brasil foram reformadas 150 vezes; em 72% adotou-se a linha do rigorismo penal. Nunca, no entanto, qualquer reforma reduziu, a médio ou longo prazo, a criminalidade. Ao contrário, ela só aumentou, atingindo agora 20% da população nacional nos últimos doze meses, conforme pesquisa da Secretaria Nacional de Segurança Pública e Datafolha.
As reformas penais são regidas pela emoção ou paixão (como já teorizava Durkheim), tal como toda a vida social e política, visto que cientificamente jamais se comprovou a suposta relação de causalidade entre a isolada edição da lei penal mais dura e o arrefecimento dos crimes. Mas no Brasil é precisamente esse produto miraculoso, mitológico, que está sendo ofertado para a desesperada população, numa média de, pelo menos, duas vezes por ano, nas últimas sete décadas. Pura enganação, com ares de charlatanismo, que aqui tem conseguido grande sucesso porque vivemos uma espécie de psicose paranoica coletiva, que confia piamente em promessas irreais, tal como os medievais acreditavam em bruxas.
Ideologicamente o novo código será muito conservador. Refutou dezenas de avanços progressistas sugeridos pela comissão de juristas que elaborou o primeiro anteprojeto, como a possibilidade do aborto nas 12 primeiras semanas de gestação, a diminuição das penas em crimes como furto e roubo, a exigência do esgotamento da via administrativa nos crimes tributários, a dificuldade de processamento dos crimes patrimoniais não violentos etc. O novo projeto mantém, ademais, o espírito retrógrado do atual sistema punitivo contrário à descriminalização do porte de drogas para uso pessoal e ainda preserva critério confuso de diferenciação entre usuário e traficante (prejudicando as classes pobres e estereotipadas).
As mudanças que se desenham, atendendo os reclamos da criminologia populista-midiática-vingativa, endurece desproporcionalmente a execução da pena nos crimes não perversos, o que implicará a implosão do caótico sistema penitenciário, já deficitário (em mais de 180 mil vagas) e reconhecidamente desumano e injusto, porque povoado por muitos pretos, pardos e brancos miseráveis que lá não deveriam estar, posto que condenados ou presos preventivamente, sem o rigor restritivo necessário, por crimes praticados sem violência (quase a metade do total).
Nossa exorbitância prisional (508% de aumento entre 1990 e 2012), que constitui o clone periférico do sistema norte-americano, será sensivelmente agravada pelo núcleo duro do novo e tirânico Código, que está banalizando o mal, com seu viés nitidamente fascista-populista, prevendo alargamento exagerado da lista dos crimes hediondos, para nela incluir crimes como corrupção, concussão e peculato. Praticará crime hediondo até mesmo o funcionário que se apropriar de um computador do Estado.
Diz o relatório que "não se trata de um texto encarcerador". Pura retórica ilusionista, que procura esconder a política de mão dura que caracteriza o DNA dos conservadores e reacionários políticos brasileiros. De olho nas suas campanhas eleitorais, prefere-se a demagogia e a tirania da prisão, principalmente naqueles nove crimes que são responsáveis por 94% do encarceramento total, onde a pena alternativa ou de ressarcimento ou de empobrecimento seria mais do que suficiente. A reforma penal é despótica e tirânica, porque toda pena desnecessária assim o é, como dizia Montesquieu, secundado por Beccaria.
LUIZ FLÁVIO GOMES, 56, jurista e diretor-presidente do Instituto Avante Brasil.
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Luiz Flávio Gomes
A desastrada reforma do desatualizado Código Penal de 1940 está avançando no Senado, mas ainda depende de aprovação do plenário e da Câmara dos Deputados. Sem as necessárias ações para dar efetividade a toda Justiça criminal, já se sabe que ela jamais irá diminuir a criminalidade. De 1940 a 2013 as leis penais no Brasil foram reformadas 150 vezes; em 72% adotou-se a linha do rigorismo penal. Nunca, no entanto, qualquer reforma reduziu, a médio ou longo prazo, a criminalidade. Ao contrário, ela só aumentou, atingindo agora 20% da população nacional nos últimos doze meses, conforme pesquisa da Secretaria Nacional de Segurança Pública e Datafolha.
As reformas penais são regidas pela emoção ou paixão (como já teorizava Durkheim), tal como toda a vida social e política, visto que cientificamente jamais se comprovou a suposta relação de causalidade entre a isolada edição da lei penal mais dura e o arrefecimento dos crimes. Mas no Brasil é precisamente esse produto miraculoso, mitológico, que está sendo ofertado para a desesperada população, numa média de, pelo menos, duas vezes por ano, nas últimas sete décadas. Pura enganação, com ares de charlatanismo, que aqui tem conseguido grande sucesso porque vivemos uma espécie de psicose paranoica coletiva, que confia piamente em promessas irreais, tal como os medievais acreditavam em bruxas.
Ideologicamente o novo código será muito conservador. Refutou dezenas de avanços progressistas sugeridos pela comissão de juristas que elaborou o primeiro anteprojeto, como a possibilidade do aborto nas 12 primeiras semanas de gestação, a diminuição das penas em crimes como furto e roubo, a exigência do esgotamento da via administrativa nos crimes tributários, a dificuldade de processamento dos crimes patrimoniais não violentos etc. O novo projeto mantém, ademais, o espírito retrógrado do atual sistema punitivo contrário à descriminalização do porte de drogas para uso pessoal e ainda preserva critério confuso de diferenciação entre usuário e traficante (prejudicando as classes pobres e estereotipadas).
As mudanças que se desenham, atendendo os reclamos da criminologia populista-midiática-vingativa, endurece desproporcionalmente a execução da pena nos crimes não perversos, o que implicará a implosão do caótico sistema penitenciário, já deficitário (em mais de 180 mil vagas) e reconhecidamente desumano e injusto, porque povoado por muitos pretos, pardos e brancos miseráveis que lá não deveriam estar, posto que condenados ou presos preventivamente, sem o rigor restritivo necessário, por crimes praticados sem violência (quase a metade do total).
Nossa exorbitância prisional (508% de aumento entre 1990 e 2012), que constitui o clone periférico do sistema norte-americano, será sensivelmente agravada pelo núcleo duro do novo e tirânico Código, que está banalizando o mal, com seu viés nitidamente fascista-populista, prevendo alargamento exagerado da lista dos crimes hediondos, para nela incluir crimes como corrupção, concussão e peculato. Praticará crime hediondo até mesmo o funcionário que se apropriar de um computador do Estado.
Diz o relatório que "não se trata de um texto encarcerador". Pura retórica ilusionista, que procura esconder a política de mão dura que caracteriza o DNA dos conservadores e reacionários políticos brasileiros. De olho nas suas campanhas eleitorais, prefere-se a demagogia e a tirania da prisão, principalmente naqueles nove crimes que são responsáveis por 94% do encarceramento total, onde a pena alternativa ou de ressarcimento ou de empobrecimento seria mais do que suficiente. A reforma penal é despótica e tirânica, porque toda pena desnecessária assim o é, como dizia Montesquieu, secundado por Beccaria.
LUIZ FLÁVIO GOMES, 56, jurista e diretor-presidente do Instituto Avante Brasil.
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