EDITORIAIS
A pressa com que parte do Congresso tenta encaminhar a votação a chamada PEC da Impunidade é reveladora dos muitos interesses envolvidos na questão. A Proposta de Emenda Constitucional que pretende amordaçar o Ministério Público e outras instituições, retirando-lhes a prerrogativa da investigação, já foi aprovada numa comissão especial e está pronta para chegar ao plenário da Câmara. Enquanto questões relevantes para a maioria da população são ignoradas ou engavetadas na Câmara e no Senado, é de se destacar a rapidez com que a PEC tramita no parlamento. Por que tanta celeridade em casas legislativas invariavelmente lentas quando a pauta trata do interesse coletivo?
Porque, também desta vez, o interesse da maioria não é o que importa. A PEC da Impunidade, assim apelidada, tem interessados diretos dentro do próprio Congresso. Há uma clara tentativa de represália a promotores e procuradores que contribuíram, nos últimos anos, para o esclarecimento de casos de corrupção na atividade pública, tanto no Legislativo quanto no Executivo. Nem mesmo alguns excessos pontuais, de promotores que encaminham à Justiça denúncias mal fundamentadas, comprometem o papel da instituição. Pela Constituição de 1988, o MP é uma instituição autônoma, ao contrário das polícias, que se submetem ao Poder Executivo. Essa é uma das grandes conquistas do Ministério Público, que há muito participa de investigações criminais. O resultado desse avanço foi a redução do risco de sindicâncias, algumas controladas pelos próprios envolvidos, conduzirem à impunidade.
Contrários ao poder investigatório do MP alegam que a Constituição não explicita essa atribuição. É uma controvérsia que apenas desvia o debate do seu foco. O que interessa é que o MP não afronta a legislação, conforme manifestações dos tribunais, e que sua efetividade já foi comprovada. São inúmeros os exemplos de que o Ministério Público foi uma instituição ativa, na fase de investigação, no esclarecimento de eventos históricos, como o que levou à aprovação do impeach- ment do então presidente Fernando Collor e, mais recentemente, à condenação dos réus do mensalão. E quase sempre tem sido bem-sucedida a atuação conjunta de promotores e policiais.
A efetividade do MP não se resume, no entanto, a questões políticas ou a acontecimentos de impacto. Sua atuação cotidiana e decidida contribui para que sejam desvendadas atividades criminosas em todas as áreas. A sociedade certamente não terá vantagem alguma se a mordaça pretendia pela Câmara for aprovada. É preo-cupante que a mesma PEC tente restringir atividades investigativas de outras instituições, como Banco Central, Receita Federal, Tribunais de Contas e Ibama. Não resta a mais tênue dúvida em torno da iniciativa. Os que durante décadas desfrutaram da impunidade estão visivelmente incomodados pela atuação dessas instituições.
Um Ministério Público atuante, ao lado da polícia judiciária, é característico de nações desenvolvidas. Países em que a polícia tem a exclusividade para realizar sindicâncias fazem parte do grupo de sociedades primitivas em que, muitas vezes, o poder político e econômico é também o que comanda investigações, acusa e julga. O Brasil há muito superou essa condição, apesar de ainda enfrentar sérias dificuldades nessa e em outras áreas, das quais todos dependem para o pleno exercício da democracia. A PEC da Impunidade é uma armadilha do atraso e por isso deve ser refutada.
O editorial ao lado foi publicado antecipadamente no site e no Facebook de Zero Hora, na sexta-feira. Os comentários selecionados para a edição impressa mantêm a proporcionalidade de aprovações e discordâncias entre as 266 manifestações recebidas até as 18h de sexta. A questão proposta aos leitores foi a seguinte: Editorial defende poder investigatório do Ministério Público. Você concorda?
O leitor concorda
Concordo plenamente. Hoje amordaçam o MP, amanhã a imprensa, e por aí vai. O STF não se intimidou e fez um belo trabalho no julgamento do mensalão, mas está perdendo poder, por força da lei criada e aprovada pelos congressistas. Que jamais farão uma lei que não seja para benefício próprio. Uma lei, antes de aprovada, deveria receber o visto do Judiciário, do Executivo e da advocacia. Visto que atinge toda a população do país. Quem poderia mudar ou, pelo menos amenizar isto, é o eleitor. Infelizmente, muitos se deixam levar pela mentira, pelas falsas promessas ou por uma esmola e acabam votando nos fichas-sujas. Albino Perleberg, Pelotas (RS)
Concordo. Em um país em que a corrupção “corre frouxa”, não se mostra possível afastar o Ministério Público da atuação também no campo da investigação. Aliás, graças às investigações do MP, em conjunto com demais instituições, é que muitos fatos relevantes para o nosso Estado e país são descobertos. Impossibilitar o MP de investigar interessa a muita gente, mas, especialmente, aos políticos de moral flexível. Denise Isabralde Borba, Porto Alegre (RS)
Concordo, pela seriedade e imparcialidade dos promotores públicos. Precisamos de setores da sociedade proativos na defesa dos cidadãos de bons costumes. E todo brasileiro precisa se manifestar e participar deste processo. Pedro Valdir Muller, Bento Gonçalves (RS)
Vão amordaçar o MP para não atrapalhar a falcatrua dos poderosos.Ricardo Garcia dos Santos
O leitor discorda
O Ministério Público é parte acusatória e, sendo parte, não pode investigar, sob pena de ser parcial. Caso a acusação possa investigar, corre-se o risco de serem colhidas as provas que unicamente interessem à acusação para fins de condenação. A investigação tem que ser produzida por instituição que não seja parte, que não seja interessada na acusação ou na defesa. As polícias Federal e Civil não são partes do processo, portanto não têm interesse na causa, sendo estas as instituições que a CF determinou que investigassem. No Brasil, separamos a atividade de investigar (polícia) da de acusar (MP), defender (advocacia) e julgar (magistratura). Esta separação é que garante a idoneidade do sistema de Justiça criminal. Por fim, temos tido bons resultados com a polícia investigando. Para isto, basta olhar as centenas de operações da Polícia Federal feitas todos os anos. Enquanto a PF faz mais de 200 operações por ano, no caso do MP contam-se nos dedos de uma mão. Luiz Nelson – Brasília (DF)
Quem acusa não pode investigar.Cezar Duarte
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Eu estou no meio termo. Primeiro a LEI não pode amordaçar o Ministério Público e impedir este órgão do Poder Executivo (sim, não existe um quarto poder) de investigar crimes envolvendo autoridades e recursos públicos. A questão seguinte é que o MP andava extrapolando suas funções passando a concorrer com as forças policiais em investigações de crimes comuns, o que não é saudável para o sistema de justiça criminal, que aliás, como disse o leitor Luiz Nelson, não existe no Brasil. E é exatamente a inexistência de um SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL ágil, integrado, desburocratizado, coativo e comprometido com as questões de justiça e ordem pública, envolvendo o judiciário, MP, defensoria, forças policiais e setor prisional, onde cada órgão tem um papel definido de pesos e contrapesos, é fomenta as divergências, as mazelas, as ações contraditórias e a impunidade no combate á violência, criminalidade e corrupção.
Infelizmente, no Brasil Poderes e instituições pensam mais no umbigo, nos privilégios, nos interesses corporativos e na ampliação do espado de poder, do que propriamente na consolidação da justiça, da paz social e da ordem pública.
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