Reale Júnior considera anteprojeto um risco de vergonha internacional . Ex-ministro da Justiça critica pressa nas discussões sobre a mudança no texto legal
CLAUDIO FACHEL/ARQUIVO/JC
Jurista condena aumento de penas, como para casos de difamação e calúnia por meio da mídia
A partir de quinta-feira, as discussões em torno da proposta de reformulação do Código Penal prometem ser retomadas com a ida do jurista e ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior a uma audiência pública na comissão especial do Senado que analisa do assunto. “Eu vou levar a nossa contribuição, que não é só uma manifestação minha, mas, na verdade, retrata a posição de cerca de 20 entidades, do Ministério Publico, da associação de advogados, e dos institutos de Direito e Criminologia. Vamos levar nossas preocupações e, muito tecnicamente, analisar as questões que nos preocupam intensamente com relação às impropriedades que o projeto apresenta”, adiantou o criminalista.
Reale Júnior é um dos maiores críticos do texto - entregue aos senadores em junho por uma comissão de 15 juristas - e foi convidado para apresentar sua análise sobre a proposta. Em nome da comissão de juristas, o relator-geral do trabalho, o procurador da República Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, também vai participar do debate.
Para Reale Júnior, o andamento da atual proposta traz “o risco de uma vergonha internacional”. Entre os pontos criticados pelo jurista, está o que trata de crimes de imprensa. Para ele, a proposta é rigorosa no que diz respeito à difamação e à calúnia por meio da mídia. “A pena mínima, de três meses, passa a ser de dois anos, por uma difamação por meio de imprensa. Isso é oito vezes superior à da Lei de Imprensa, que foi revogada por ser ditatorial”, argumenta.
Ainda segundo o criminalista, outro trecho prevê condenação de dois a quatro anos para quem assiste a um confronto entre animais, como, por exemplo, uma rinha de galo. “É uma pena elevadíssima. Se o animal morre, a pena é de quatro anos, no mínimo. O sujeito assiste e é responsabilizado pelo galicídio?”, questiona. Ele também critica o perdão judicial no caso de a eutanásia ser praticada por parentes, independentemente do diagnóstico médico.
O projeto em discussão também é alvo de críticas políticas, morais e religiosas. Uma das polêmicas é sobre novas hipóteses de aborto legal - atualmente permitido em caso de risco de morte para a gestante, quando a gravidez decorre de estupro ou se o bebê for anencéfalo. “Essas questões religiosas são menores perto dos vícios e dos problemas que existem. Porque, na hora que você joga para esta área, a discussão se emocionaliza, passa a ser filosófica, religiosa, e a minha questão não é esta. A minha questão é técnica”, garante o ex-ministro.
O jurista discorda da forma e da ‘pressa’ com que a discussão está sendo feita. Na avaliação de Reale Júnior, uma reforma da legislação penal teria de ser diferente. “Eu mexeria pouco na parte geral, exclusivamente no sistema de penas para adequá-lo. O sistema de penas foi modificado por uma lei de 1998 e pela Lei dos Juizados Especais Criminais, por isso precisa ser recomposto. Na parte da estrutura dos crimes, eu não mexeria em nada”, diz. “Isso exige um trabalho imenso de proporção e de revisão porque essas leis são feitas atabalhoadamente. Não se pode apenas transportar essa legislação extravagante para dentro do código. É necessário fazer uma cautelosa revisão dos tipos que são criados nessas leis. É um trabalho de detalhe que demandaria, no mínimo, um ano e meio, dois anos”.
O trabalho da comissão especial de juristas durou cerca de oito meses. A intenção do relator da comissão de senadores que transformou a proposta em projeto de lei, senador Pedro Taques (PDT-MT), é de que o texto seja votado no Senado e encaminhado para a Câmara dos Deputados até o fim deste ano.
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