terça-feira, 6 de maio de 2014

O QUE NÃO ESTÁ NOS AUTOS NÃO ESTÁ NO MUNDO

G1 POLÍTICA - sex, 05/10/12


por Carlos Velloso |




Na sessão desta quinta-feira (4), o ministro Ricardo Lewandowski justificou seu voto pela absolvição de José Dirceu ao considerar que não havia, nos autos do processo, provas que o incriminassem por corrupção ativa. O revisor do caso afirmou não descartar, “em tese”, que o ex-ministro tenha comandado o mensalão, mas disse que isso não estava demonstrado na ação. Para justificar seu voto, citou um conhecido princípio do Direito, explicado aqui por Carlos Velloso.

“Quod non est in actis non est in mundo”, o que não está nos autos não está no mundo. Este é um velho brocardo que vem do Direito Romano e que é adotado nos Judiciários de Estados democráticos. “Mundo”, nesse axioma jurídico, tem o sentido de verdade real. Não é verdade se não está nos autos.

Nos regimes democráticos, o indivíduo é julgado pelo seu juiz natural, que é o juiz legal, juiz independente, imparcial, que não se curva senão à sua ciência e à sua consciência.

O juiz com garantias de independência, de que decorre a imparcialidade, é o juiz que, num julgamento, considera apenas o que está nos autos. Não raras vezes, um indivíduo, apontado como estelionatário ou peculatário – e conhecido como tal – é absolvido. Assim o foi, porque o juiz não encontrou, nos autos, prova que autorizasse a condenação.

Frankfurter proclamava, na Suprema Corte americana, que é preferível errar em favor da liberdade do que contra ela. A característica de um tribunal independente e imparcial é justamente esta: o julgamento basear-se exclusivamente na prova que está nos autos. Esse tipo de comportamento faz legítimo o julgamento.

Há certas provas, entretanto, que, mesmo não repetidas nos autos, não podem ser desconsideradas. Por exemplo: o depoimento tomado perante uma Comissão Parlamentar de Inquérito, depoimento público, com observância das garantias constitucionais do acusado, certo que a CPI tem poderes de investigação próprios das autoridades judiciais (C.F., art. 58, § 3º).

Há, todavia, quem não concorde com o afirmado. Outro exemplo: a prova emprestada, que é feita em outro processo, e a defesa ou o Ministério Público pede a sua juntada, por cópia. Por que não considerá-la, se ela poderia levar à comprovação da verdade real?

Voltemos à questão básica: o que não está nos autos não está no mundo. Há de ser compreendido o velho axioma jurídico com a interpretação daquilo que está nos autos. Segundo a interpretação de um juiz, a prova é conducente à condenação. Outro juiz, entretanto, entende de modo contrário. Há que se respeitar ambos os entendimentos. A garantia de um julgamento justo está justamente na independência intelectual do juiz, que se curva apenas a sua ciência e a sua consciência.

A democracia tem um custo. Os povos realmente democráticos pagam esse preço tranquilamente.

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