sexta-feira, 2 de maio de 2014

OPERAÇÃO CONCUTARE, A LERDEZA DE UMA JUSITÇA

ZERO HORA 01/05/2014 | 23h06

Fraude ambiental


Operação Concutare: denúncia do Ministério Público só sairá em julho. Órgão indica que deverá pedir a condenação da maior parte dos 18 presos em abril de 2013



Operação apreendeu R$ 500 mil em notas de reais, euros e dólaresFoto: Divulgação / Agencia RBS


Um ano depois de desencadeada a Operação Concutare, o Ministério Público Federal (MPF) ainda aguarda documentos que dissecam a movimentação financeira de parte dos investigados para concluir a denúncia relacionada ao caso que revelou supostos esquemas de fraudes em licenças ambientais em órgãos municipais, estadual e federal. À frente da investigação, a procuradora Patrícia Weber espera concluir o trabalho até julho.

Apesar de não adiantar se todos os 49 indiciados em agosto passado pela Polícia Federal (PF) terão reponsabilidades apontadas, Patrícia afirma que a tendência é denunciar todos os 18 presos no dia em que a operação foi deflagrada. Serão enquadrados nos delitos de corrupção ativa e passiva, formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e crimes ambientais.

— Tendência existe, com certeza. Porque, quando se realiza a prisão de uma pessoa, é preciso haver elementos de que ela tenha participado (da fraude) — diz Patrícia, coordenadora criminal da Procuradoria da República no Estado.

A demora para formular a denúncia, diz Patrícia, deve-se ao grande volume de material e à complexidade do caso. Para dar robustez à denúncia, foram examinados e agregados às provas 54 processos de licenciamentos ambientais e 30 laudos da situação financeira dos investigados.

Embora em casos do gênero a maior parte dos valores circule entre suspeitos em dinheiro vivo, foram encontradas movimentações bancárias suspeitas. Com mais provas, diz Patrícia, é maior a chance de condenação. Apesar de não citar nominalmente os investigados, a procuradora dá pistas sobre os principais alvos:

— O que posso afirmar é que a atenção maior da acusação se volta para as pessoas de maior importância nos órgãos e maior importância nas condutas.

Como foi a operação

Foco em licenciamentos

A Concutare foi deflagrada em 29 de abril de 2013, com 18 presos, incluindo os então secretários do Meio Ambiente do Estado, Carlos Niedersberg – que menos de um mês antes presidia a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) –, e de Porto Alegre, Luiz Fernando Záchia, além do secretário do Meio Ambiente do governo Yeda Crusius, Berfran Rosado, que atuava como consultor privado na área. Foram presos ainda empresários e um funcionário do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) e feita uma apreensão de R$ 500 mil em reais, euros e dólares (foto acima).

Como ocorriam as irregularidades

Interessados em fraudar licenças atuavam especialmente na Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam), órgão vinculado à Secretaria do Meio Ambiente, e no Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). Em depoimento, servidor público confessou receber propina.

O que ocorre depois da denúncia do MPF

O Judiciário decide se aceita ou não a denúncia. Se aceitar, os acusados se tornam réus no processo.




ZERO HORA 30/04/2013 | 05h42

por Adriana Irion*

Como se deu a operação da Polícia Federal que derrubou a cúpula ambiental. Uma ação policial balançou na segunda-feira o governo estadual e a prefeitura da Capital


Personagens que se repetiam em investigações sobre o mesmo tema e a frequência de denúncias sobre supostas irregularidades envolvendo a concessão de licenças fez soar na Polícia Federal o alerta de que para estancar crimes ambientais seria preciso mirar na corrupção de agentes públicos.

Foi assim que nasceu, em junho de 2012, a investigação que resultou na segunda-feira na prisão de 18 pessoas, entre elas, os secretários do Meio Ambiente do Estado e de Porto Alegre.


Deflagrada em oito cidades no Rio Grande do Sul e em Florianópolis, em Santa Catarina, a partir das 6h, a Operação Concutare repercutiu imediatamente em Israel, onde o governador Tarso Genro cumpre viagem com uma comitiva gaúcha. Ao receber uma ligação do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, avisando sobre a prisão do secretário Carlos Niedersberg, Tarso determinou a exoneração e sua substituição por Mari Perusso, que atuava na Casa Civil. O prefeito José Fortunati também demitiu o secretário Luiz Fernando Záchia.

Em um dos trechos da decisão judicial em que foram decretadas as prisões, está registrado que as informações "carreadas aos autos ilustram um ambiente de supremacia do poder econômico sem escrúpulos, na qual o interesse da sociedade, em especial o meio ambiente, encontra-se totalmente desguarnecido". São investigados crimes ambientais, contra a administração pública e de lavagem de dinheiro.

Posse mudou planos da PF

Niedersberg era investigado como presidente da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam), órgão que comandava desde janeiro de 2011. A indicação dele para assumir a pasta do Meio Ambiente, no início do mês, causou contratempo na apuração da PF. Como passou a ter foro privilegiado como secretário estadual, a investigação teve de ser remetida para o Tribunal Regional Federal da 4ª Região. A operação da PF estava pronta para ser realizada quando Niedersberg tomou posse. Acabou adiada. Segundo a assessoria do TRF4, assim que a exoneração de Niedersberg for publicada no Diário Oficial do Estado, o caso voltará a tramitar na Justiça Federal de 1º grau, na 1ª Vara Federal Criminal.

Trechos de documento da Justiça Federal indicam que Niedersberg "estaria diretamente envolvido na concessão ilegal de licenças ambientais mediante o recebimento de vantagens indevidas." Quanto a Záchia, o despacho da prisão temporária destaca que foi percebida na investigação "estreita relação dele com despachantes ambientais (...), inclusive com encaminhamento de vantagens ao secretário por ter encampado interesses privados no seio da administração municipal".

Em relação a Berfran Rosado, que foi secretário estadual do Meio Ambiente no governo Yeda Crusius, há suspeitas de que ao prestar consultorias por meio do Instituto Biosenso Sustentabilidade Ambiental, do qual é sócio, agiria fazendo tráfico de influência por manter uma rede de relações em órgãos ambientais. Ao ser preso, Berfran tinha R$ 25 mil e US$ 25 mil dentro de uma pasta de trabalho.



Presos foram para o Presídio Central

Na decisão judicial sobre as prisões, consta: "(...) quanto aos mencionados despachantes ambientais, que prestam consultorias ou assessorias a empresas, ficou evidenciado que se posicionam, muitas vezes, como meros interlocutores entre servidores públicos e empresários, servindo, também, como entreposto para pagamento da propina destinada à concessão de licenças. Neste contexto, merece destaque a participação do Instituto Biosenso (...), que, na verdade, presta-se possivelmente à instrumentalização de delitos contra a administração pública".

A PF cumpriu 28 mandados de busca, no qual foram apreendidos documentos, 22 computadores, seis armas e cerca de R$ 500 mil, além de US$ 44 mil e 5,2 mil euros. Os suspeitos estão com prisão temporária decretada com prazo de cinco dias, que pode ser prorrogada por mais cinco. Os detalhes da ação foram divulgados pela PF em entrevista coletiva comandada pelo superintendente do órgão no RS, delegado Sandro Caron.

Até o fechamento desta edição, 17 dos 18 presos haviam sido transferidos da sede da PF para o Presídio Central, em Porto Alegre. Eles devem retornar à PF conforme a necessidade de prestarem novos esclarecimentos sobre as suspeitas.

A investigação, que deve resultar em indiciamentos de cerca de 50 pessoas por corrupção ativa e passiva, falsidade ideológica, por crime ambiental e lavagem de dinheiro, foi feita pela Delegacia de Crimes contra o Meio Ambiente e Patrimônio Histórico e pela Unidade de Desvio de Recursos Públicos da PF.

— A investigação revelou um grau muito nocivo de promiscuidade entre a atuação de servidores públicos, despachantes, consultores e empresários. Observamos que algumas licenças só seriam emitidas se houvesse pagamento de quantias em dinheiro — explicou o delegado Thiago Machado Delabary, da Unidade de Desvios de Recursos Públicos da PF.

*Colaboraram Cleidi Pereira, Francisco Amorim e Juliana Bublitz

O nome da operação

– A palavra concutare tem origem no latim e significa concussão — crime cometido por servidor contra a administração pública.

– A concussão é consumada com a exigência, por servidor, de vantagem indevida.

– Não é necessário que tenha ocorrido pagamento de propina ou qualquer outro benefício. Basta que o servidor tenha exigido vantagem, o que é crime.

– Ou seja, consuma-se o crime ainda que nenhum ato irregular tenha sido praticado. A pena é de dois a oito anos de reclusão.

– Para o professor de linguagem jurídica Adalberto Kaspary, alguém derrapou no latim na hora de batizar a operação, pois a palavra "concutare" não existe no idioma.

– Segundo Kaspary , o certo é "concutere", palavra que originou o termo concussão e que significa extorquir dinheiro de alguém mediante ameaça.

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