ZERO HORA 30 de setembro de 2013 | N° 17569
ARTIGOS
Cláudio Brito*
Porto Alegre assistiu a dois dias de debates sobre os limites da atuação do Judiciário frente aos demais poderes em nosso país, em evento organizado pela Procuradoria-Geral do Estado e também no Conversas Cruzadas, na TV Com. O atendimento, pela Justiça, de milhares de demandas da sociedade que cobra do Executivo a efetivação de políticas públicas na área da saúde serviu de exemplo repetidamente lembrado pelos vários expositores e painelistas.
Construção de presídios, oferta de vagas em creches e nas escolas também frequentam as mesas dos gabinetes judiciais. Há juízes que, ao reconhecerem os direitos dos cidadãos, determinam diretrizes e dão ordens aos governantes, ditando como fazer, onde e para quem fazer o que lhes cabe realizar, por mandamento constitucional. A crescente judicialização das pretensões do povo enseja aos tribunais o espaço para uma atuação que pode avançar sobre terreno alheio, seja para preencher vazios deixados pelo Legislativo, seja para exercer a governança.
Para Lenio Streck, “há, sim, excesso de ativismo. E quando digo excesso, não estou admitindo um ativismo adequado ou necessário. Permito-me dizer: ativismo é vulgata da judicialização. Não há bom ou mau ativismo”. Lenio sustenta que o Judiciário se excede.
Diferente é o que defende Felipe Kirchner, da Defensoria Pública de nosso Estado, para quem “o Executivo deve serviços às pessoas, que são titulares de direitos fundamentais que não admitem frustração. É para corrigir uma atuação governamental bastante falha que os defensores vão à Justiça com os pleitos legítimos da sociedade. Não é ativismo atender necessidades tão nobres como um medicamento ou uma internação hospitalar”.
Fernanda Tonetto, procuradora do Estado, na mesma linha de Lenio Streck, critica fortemente a atuação judicial em substituição aos governantes, “o que fica muito claro quando as decisões dos magistrados pretendem superar a realidade da falta de recursos orçamentários e estabelecem obrigações ao Estado”. O presidente da Apergs – Associação dos Procuradores do Estado, Telmo Lemos, citando dados estatísticos de ações judiciais, refere que o direito dos cidadãos é sempre respeitado e informa que “não são raros os casos em que acolhemos o que foi demandado e não há contestação ou recurso”.
O debate precisa continuar. Independência e harmonia devem reger as relações entre os poderes da República, obedecidos os limites que a Constituição desenhou. Não há espaço para supremacias em uma democracia. Há impasses comportamentais a serem vencidos. Com toda a singeleza que me permitirem, o melhor mesmo é “cada um no seu quadrado”.
* JORNALISTA
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - O Claudio Brito conhece muito as leis e tem pleno conhecimento do funcionamento do sistema, tendo em várias oportunidades colocado opiniões em seus artigos com grande profundidade e sabedoria. Entretanto, não posso concordar com a sua conclusão neste artigo que o melhor “cada um no seu quadrado”. É justamente esta postura corporativa de olhar e defender apenas "umbigo", sem se preocupar em interagir com o "outro quadrado" que tem alimentado as barreiras para um futuro sistema de justiça criminal integrado, ágil e coativo. Hely Lopes Meirelles textualizou que na prática não existe "separação de poderes" com divisão absoluta de poderes, mas uma distribuição de "funções precípuas entre órgãos independentes, mas harmônicos e coordenados no seu funcionamento, mesmo porque o poder estatal é indivisível" (Direito Administrativo Brasileiro, Malheiros 25ª ed. 2000, pg 55,56).
A harmonia precisa de uma integração e compromisso mútuo entre os poderes, para não ocorrer o personalismo, o descaso, a permissividade, a conivência, os conflitos institucionais, a briga por espaço e o jogo de empurra, onde ninguém se compromete e a supremacia do interesse público é submetida aos interesses pessoais, institucionais e corporativos.