ARTIGOS
Eugenio Paes Amorim*
Outro dia, estava pensando em escrever sobre as inúmeras mentiras repetidas neste país, e as últimas ocorrências nesta relação entre a violência e o sistema judiciário me levaram a dar tratamento específico a uma das maiores mentiras do Brasil, qual seja de que os juízes apenas cumprem as leis e que, quando um marginal ganha a absolvição ou a liberdade, o julgador está totalmente isento de culpa.
O nascedouro disso está, evidentemente, nas costas largas da classe política e na cultura que temos de que tudo é culpa dos políticos. O Judiciário, de modo oportunista e condenável, aproveita-se disso para esconder-se e a seus erros.
É verdade que ainda carecemos de uma legislação mais dura aqui e ali, como nas penas dos crimes hediondos, como o homicídio e o latrocínio, bem como naqueles de colarinho branco, e que o sistema progressivo de cumprimento da pena, com o tal regime semiaberto, são questões a serem modificadas pelo omisso Legislativo.
Entretanto, na maioria dos casos, lei boa há, ou ao menos satisfatória, e, na interpretação da lei, o Judiciário ou setores dele deixam a desejar.
Veja-se, por exemplo, a questão da aplicação da pena. Embora as penas no Código Penal vigente tenham previsões que vão da mínima à máxima, criou-se jurisprudência tranquila, imutável, de que o cálculo da pena deve sempre partir do mínimo, com o que, na prática, raramente chega a seu termo médio e nunca ao máximo. Exemplo, para esclarecer o leitor, é do homicídio qualificado. A pena prevista em lei oscila entre 12 e 30 anos. O juiz aplica a pena sempre partindo dos 12, o que faz com que em situações muito graves chegue a algo em torno dos 18, 19, no máximo 20 anos.
Mas o máximo não é 30 anos? Por que nunca se aplica o máximo? Por que não se toma como ponto de partida o termo médio, 21 anos?
Resposta: porque a interpretação é sempre através do criminoso e muitas vezes descriteriosa ou mal feita. Há juízes que sempre oscilam entre 12 e 13 anos, deixando de diferenciar situações muitas vezes bem diferentes. No Estado de São Paulo é que se tem visto nesses últimos júris de repercussão uma tímida reação no sentido de cumprir corretamente a lei, dando-se a réus que praticaram gravíssimos homicídios penas na casa dos 25 anos.
Mas a falácia maior é aquela dos juízes chamados “garantistas” ou autointitulados “constitucionalistas” – como se os demais, que são a grande maioria, deixassem de cumprir a Constituição.
Eles têm como norte filosófico a história da luta de classes e veem em tudo a opressão do rico ao pobre, do negro ao branco etc. etc. E, a partir dessa concepção equivocada – criminoso não tem classe social ou raça, é simplesmente criminoso –, constroem seu delírio de que todos os males do mundo têm como culpada a sociedade, nela incluídas inúmeras vítimas, igualmente oprimidas pelo sistema capitalista cruel, mas que nem por isso deixam de trabalhar para delinquir. Estas vítimas, diga-se, sofrem com o sistema e pagam com sua dor também pelo sistema.
Assim é que inúmeros bandidos perigosos são absolvidos e soltos em uma interpretação romântica e ao mesmo tempo cruel da legislação processual penal, que é, de regra, boa.
A 3ª Câmara Criminal, para que se tenha um exemplo, dá julgamentos favoráveis aos réus – na sua maioria perigosos marginais com várias mortes no currículo – em 80% dos recursos da defesa. Isso é estatística feita!
Os colegas desembargadores das 1ª e 2ª Câmaras, julgando as mesmas matérias, dão provimento a cerca de 15% dos mesmos recursos.
Ah, então esta exemplificação real e do nosso pachola Rio Grande do Sul dá bem uma ideia de que os juízes têm de parar com essa conversa. Mentira! Não é a lei que põe marginais nas ruas na maioria das vezes. É um setor pequeno mas muito danoso socialmente do próprio Judiciário.
*PROMOTOR DE JUSTIÇA DA 1ª VARA DO JÚRI DA CAPITAL
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