terça-feira, 29 de abril de 2014

EQUÍVOCOS E PROCESSOS MAL INSTRUÍDOS DEVOLVEM BANDIDOS ÀS RUAS



É crucial aperfeiçoar critérios da progressão de pena. Equívocos nas Varas de Execução ou processos mal instruídos por inquéritos falhos contribuem para devolver às ruas criminosos de reconhecida alta periculosidade


EDITORIAL
O GLOBO 29/04/14 - 0h00



Por trás dos distúrbios na semana passada em Copacabana, em sequência à morte do dançarino DG, estava o traficante Adauto do Nascimento Gonçalves, conhecido como Pitbull, chefão do tráfico no Pavão-Pavãozinho. Bandidos ligados ao crime organizado, segundo a polícia, são uma das fontes que incitam ataques a UPPs e, em última instância, os recentes episódios que, pela violência, procuram inviabilizar o programa de pacificação do governo do estado. Juntam-se a eles grupos políticos mal-intencionados. As autoridades de segurança precisam se debruçar sobre estes vieses presentes nos tumultos. Mas a presença do traficante Pitbull nos episódios de Copacabana reacende outra discussão, igualmente grave e da mesma forma a reclamar urgente intervenção do poder público — a facilidade e a frequência com que bandidos de alta periculosidade deixam a prisão beneficiados pelo instituto da progressão de pena. O traficante do Pavão-Pavãozinho está foragido do sistema penitenciário desde julho do ano passado, quando entrou no programa de visita periódica ao lar, e não mais voltou para a prisão, é claro.

A progressão de pena é um dispositivo legal, previsto no Código Penal, a rigor um instituto criado com o objetivo de contribuir para o pressuposto correcional do sistema penitenciário. Pelo CP, o réu condenado tem o direito a mudar gradativamente de um regime punitivo mais severo para outro, menos coercitivo — obedecidos necessariamente os requisitos legais. Ou seja, a progressão de pena, que abrevia o tempo de cumprimento de uma sentença, não é um mal em si. Mas, por falhas na execução, o que deveria ser um instrumento de reintegração de presos à sociedade acaba por se transformar num mecanismo que devolve às ruas, sem comprovada regeneração, criminosos como Pitbull e tantos outros que já aproveitaram as brechas na legislação para voltar a aterrorizar a sociedade.

A boa intenção vira um pernicioso instrumento na medida em que, como mostra a extensa crônica de bandidos beneficiados por regimes especiais que reincidem em atos criminosos, a progressão é concedida por equívoco nas Varas de Execução Penal ou mesmo devido a inquéritos incompletos, que por sua vez resultam em processos mal instruídos. Essa sucessão de ações, mal intencionadas ou não, abre as portas para chicanas jurídicas que acabam por fazer a legislação beneficiar indistintamente o preso de bom comportamento e aquele que, contra o espírito do próprio regime, ainda representa ameaça à segurança pública. Quaisquer que sejam as razões que contribuem para deturpar a progressão, cabe ao poder público — Executivo, Judiciário e Legislativo — discutir a fundo a legislação, identificar suas falhas e aperfeiçoá-la. Condenados com regeneração inquestionável não devem pagar pelos equívocos da execução penal, mas também é crucial que o sistema penitenciário preserve a segurança da sociedade, mantendo encarcerados os bandidos perigosos. Esta tarefa é urgente.


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