SCIELO - Ciência e Cultura
On-line version ISSN 2317-6660
Cienc. Cult. vol.54 no.1 São Paulo June/Sept. 2002
Sérgio Adorno
Não são poucos os estudos que reconhecem a incapacidade do sistema de justiça criminal, no Brasil – agências policiais, ministério público, tribunais de Justiça e sistema penitenciário –, em conter o crime e a violência respeitados os marcos do Estado democrático de Direito. O crime cresceu e mudou de qualidade; porém, o sistema de Justiça permaneceu operando como há três ou quatro décadas. Em outras palavras, aumentou sobremodo o fosso entre a evolução da criminalidade e da violência e a capacidade do Estado de impor lei e ordem.
Desde a década de 1980, o acúmulo histórico de problemas na área se acentuou, em parte devido aos novos desafios político-institucionais propostos pela transição democrática. Por um lado, os governos federal e estaduais, pressionados por correntes de opinião pública sequiosas da imediata remoção do entulho autoritário, tiveram que promover em curto espaço de tempo a desmontagem dos aparelhos repressivos associados ao regime militar, em especial os paramilitares. Tarefa difícil; reclamava, antes de tudo, pertinaz controle sobre os abusos de poder cometidos por agentes públicos (policiais militares nas ruas, nas habitações populares e nas instituições de reparação social; policiais civis nas delegacias e distritos policiais; guardas nas instituições carcerárias). Por outro, os governos civis pós-ditadura demoraram em responder com eficiência ao crescimento e à mudança do perfil da criminalidade urbana violenta, um cenário que adentrou os anos 90.
A despeito dos investimentos em segurança pública, ora crescentes ora decrescentes, sobretudo em recursos materiais, são notórias as dificuldades e desafios enfrentados pelo poder público em suas tarefas constitucionais de deter o monopólio estatal da violência, mesmo após quase duas décadas de retorno ao Estado democrático de Direito. Seus sintomas contemporâneos radicam, por exemplo, na sucessão de rebeliões nas prisões organizadas por dirigentes do crime organizado, como o Comando Vermelho e Terceiro Comando, no Rio de Janeiro; e oPrimeiro Comando da Capital, em São Paulo, este responsável pelo motim simultâneo de vinte e nove grandes prisões, no Estado de São Paulo, em fevereiro de 2001. Do mesmo modo, cada vez mais é flagrante a ousadia no resgate de presos. Ademais, a existência de áreas, na maioria das metrópoles brasileiras, onde prevalecem as regras ditadas pelo tráfico de drogas sugere a constituição de quistos urbanos isentos da aplicação das leis.
A face visível desta crise do sistema de Justiça criminal é, sem dúvida, a impunidade penal(1). Ao lado do sentimento coletivo, amplamente difundido entre cidadãos comuns, de que os crimes cresceram, e vem crescendo e se tornando cada vez mais violentos, há igualmente o sentimento de que os crimes não são punidos; ou, quando o são, não o são com o rigor de que seria esperado diante da gravidade dos crimes que têm maior repercussão na opinião pública. Mas, há também um outro lado da questão. Se muitos crimes deixam de merecer sanções penais, quaisquer que sejam, isso não significa dizer que a Justiça penal é pouco rigorosa. As sanções alcançam preferencialmente grupos sociais singulares, como negros e migrantes, comparativamente às sanções aplicadas a cidadãos brancos, procedentes das classes média e alta da sociedade(2). A imagem flagrante do sistema de Justiça criminal é de um funil: largo na base – área na qual os crimes são oficialmente detectados – e estreito no gargalo, região onde se situam aqueles crimes cujos autores chegaram a ser processados e por fim acabaram sendo condenados.
Não é certamente um cenário próprio à sociedade brasileira. Em outras sociedades do mundo ocidental essa imagem é também presente, em particular nos Estados Unidos; porém, singular à sociedade brasileira é a magnitude do funil: extremamente largo na base, excessivamente estreito no gargalo. Os poucos estudos disponíveis(3) – sugerem que as taxas de impunidade são mais elevadas no Brasil do que em outros países, como França(4), Inglaterra(5), Estados Unidos(6). A carência de dados estatísticos e de levantamentos sistemáticos periódicos impede o conhecimento da efetiva magnitude e extensão da impunidade penal no Brasil. A despeito destas limitações, algumas avaliações parciais já indicam algo a respeito. Crimes como furtos ou que compreendem a chamada pequena criminalidade, em regra, não chegam a ser investigados, sobretudo se a autoria for desconhecida. Mesmo casos mais graves, como roubos, tráfico de drogas e até homicídios, compõem as chamadas áreas de exclusão penal. Há suspeitas de que as taxas de impunidade sejam proporcionalmente mais elevadas para as graves violações de direitos humanos, tais como: homicídios praticados pela polícia, por grupos de patrulha privada, por esquadrões da morte e/ou grupos de extermínio; ou ainda homicídios consumados durante linchamentos e naqueles casos que envolvem trabalhadores rurais e lideranças sindicais. Do mesmo modo, parecem altas as taxas de impunidade para crimes do colarinho branco cometidos por cidadãos procedentes das classes médias e altas da sociedade.
Os poucos dados disponíveis são surpreendentes. No Estado de São Paulo, em 1970, do total de pessoas processadas, 75% foram denunciadas; 27% condenadas; e 48% absolvidas. Em 1982, essas proporções reduziram-se respectivamente para 65%, 22% e 43%. Enquanto a instauração de inquéritos penais, no período de 1970-1982, cresceu 191,4% e as ações penais, 148,5%; os inquéritos arquivados cresceram 326,2%. Do mesmo modo, a extinção de punibilidade cresceu de 3,4% para 6,3%(7). No mesmo período, para o Estado do Rio de Janeiro, um estudo sobre a evolução do crime(8) observou que as chances de condenação, em crimes contra o patrimônio, vinha declinando: em 1976, era de 0,0506; em 1980, 0428. Vale dizer, no início do período, para cada cem crimes contra o patrimônio, condenavam-se cinco infratores; poucos anos mais tarde, quatro infratores eram condenados. O mesmo estudo constatou ainda que o crescimento em 50% da criminalidade urbana, entre 1977 e 1986, foi acompanhado do declínio, em 27,4%, das taxas de aprisionamento (população prisional/100.000 habitantes).
Para a década de 1990, o quadro não é menos grave. Alguns anos mais tarde, Soares e outros(9) atualizaram as análises sobre a evolução da violência no Estado e Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Seus resultados indicam, para o município do Rio de Janeiro, tão somente 8,1% dos inquéritos sobre homicídios dolosos (isto é, intencionais) e 8,9% dos inquéritos sobre roubos seguidos de morte (modalidade mais conhecida como latrocínio) foram convertidos em processos penais, no ano de 1992. Nesse mesmo ano, 92% dos crimes dolosos contra a vida deixaram de merecer alguma sanção penal. Para o município de São Paulo, Castro(10), observando homicídios praticados contra crianças e adolescentes, no ano de 1991, constatou que apenas 1,72% de todos os crimes denunciados alcançaram uma sentença condenatória, transitada em julgado, no final do período observado, o ano de 1994. Essa tendência parece ter-se mantido ao longo da década. Em 1999, transitaram pelo I Tribunal de Júri da capital cerca de 10 mil processos instaurados para apuração de responsabilidade penal em homicídios. Em torno de 70%, os processos foram arquivados(11).
A conseqüência mais grave deste processo em cadeia é a descrença dos cidadãos nas instituições promotoras de justiça, em especial encarregadas de distribuir e aplicar sanções para os autores de crime e de violência. Cada vez mais descrentes na intervenção saneadora do poder público, os cidadãos buscam saídas. Aqueles que dispõem de recursos apelam, cada vez mais, para o mercado de segurança privada, um segmento que vem crescendo há, pelo menos, duas décadas. Em contrapartida, a grande maioria da população urbana depende de guardas privados sem profissionalização, apóia-se perversamente na proteção oferecida por traficantes locais ou procura resolver suas pendências e conflitos por conta própria. Tanto num como noutro caso, seus resultados contribuem ainda mais para enfraquecer a busca de soluções por intermédio das leis e do funcionamento do sistema de Justiça criminal.
Sérgio Adorno é professor associado do Departamento de Sociologia da USP, coordenador do NEV/USP, diretor de educação do projeto Cepid/Fapesp e coordenador do projeto Cepid, um estudo sobre impunidade no município de São Paulo.
Referências Bibliográficas
1 Dahrendorf, R. Lei e ordem. Brasília: Instituto Tancredo Neves, 1987.
2 Adorno, S. Discriminação racial e justiça criminal em São Paulo. Novos Estudos. Cebrap. São Paulo, Cebrap, 43: 45-63, novembro 1995. Costa, C. A R. da (1995). Cor e crime: estudo e análise da justiça no Rio de Janeiro(1900-1930). Rio de Janeiro: Editora da UFRJ. Vargas, J. (2000). Crimes sexuais e sistema de justiça. São Paulo: IBCrim, 1995.
3 Soares, L. E. e outros. Crime e política no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1996. Adorno, S. S. Cidadania e administração da Justiça criminal. In: Diniz, E.; Leite Lopes, S. E., Prandi, R. (orgs.). O Brasil no rastro da crise. Anuário de Antropologia, Política e Sociologia. São Paulo: Anpocs/IPEA, Hucitec, 1994. p. 304-27.Adorno, S. Discriminação racial e justiça criminal em São Paulo. Novos Estudos. Cebrap. São Paulo, Cebrap, 43: 45-63, novembro, 1995. Pinheiro, S.; Adorno, S.; Cardia, N. Continuidade autoritária e construção da democracia. Relatório final de pesquisa. São Paulo: NEV/ USP, 4 v. (Fapesp), 1999. In: www.nev.prp.usp.br.Castro, M.M. P. de. Vidas sem valor: um estudo sobre os homicídios de crianças e adolescentes e a atuação das instituições de segurança e justiça. Tese de Doutorado em Sociologia. PPGS/FFLCH-USP, 1996, p. 279.
4 Robert, P.; Aubusson de Cavarlay, B.; Pottier, M. L.; Tournier, P. Les comptes du crime. Les délinquences en France et leurs mesures. Paris: LHarmattan, 1994.
5 Jefferson, T. e Shapland, J. Criminal Justice: order and control. British Journal of Criminology, 1994, 34(3): 265-290.
6 Gurr, T.R. Violence in America: the history of crime (violence, cooperation, peace), an International Series, v. 1. Newbury Park: Sage Publications, 2v., 1989. Donzinger, S., ed. The real war on crime. New York: The National Criminal Justice Commission, 1996.
7 Adorno, S. S. Cidadania e administração da Justiça criminal. In: Diniz, E.; Leite Lopes, S. E Prandi, R. (orgs). O Brasil no rastro da crise. Anuário de Antropologia, Política e Sociologia. São Paulo: Anpocs/IPEA, Hucitec, 1994. p. 304-27.
8 Coelho, E. C. A criminalidade urbana violenta. Dados – Revista de Ciências Sociais. Rio de Janeiro: Iuperj, 1988, 31(2): 145-83.
9 Soares, L. E. e outros. Crime e política no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1996.
10 Castro, M.M. P. de. Vidas sem valor: um estudo sobre os homicídios de crianças e adolescentes e a atuação das instituições de segurança e justiça. Tese de Doutorado em Sociologia. 1996, PPGS/FFLCH-USP, 279p.
11 O Estado de S. Paulo, editorial, 22/05/2001.
© 2014 Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
Universidade Estadual de Campinas
On-line version ISSN 2317-6660
Cienc. Cult. vol.54 no.1 São Paulo June/Sept. 2002
Sérgio Adorno
Não são poucos os estudos que reconhecem a incapacidade do sistema de justiça criminal, no Brasil – agências policiais, ministério público, tribunais de Justiça e sistema penitenciário –, em conter o crime e a violência respeitados os marcos do Estado democrático de Direito. O crime cresceu e mudou de qualidade; porém, o sistema de Justiça permaneceu operando como há três ou quatro décadas. Em outras palavras, aumentou sobremodo o fosso entre a evolução da criminalidade e da violência e a capacidade do Estado de impor lei e ordem.
Desde a década de 1980, o acúmulo histórico de problemas na área se acentuou, em parte devido aos novos desafios político-institucionais propostos pela transição democrática. Por um lado, os governos federal e estaduais, pressionados por correntes de opinião pública sequiosas da imediata remoção do entulho autoritário, tiveram que promover em curto espaço de tempo a desmontagem dos aparelhos repressivos associados ao regime militar, em especial os paramilitares. Tarefa difícil; reclamava, antes de tudo, pertinaz controle sobre os abusos de poder cometidos por agentes públicos (policiais militares nas ruas, nas habitações populares e nas instituições de reparação social; policiais civis nas delegacias e distritos policiais; guardas nas instituições carcerárias). Por outro, os governos civis pós-ditadura demoraram em responder com eficiência ao crescimento e à mudança do perfil da criminalidade urbana violenta, um cenário que adentrou os anos 90.
A despeito dos investimentos em segurança pública, ora crescentes ora decrescentes, sobretudo em recursos materiais, são notórias as dificuldades e desafios enfrentados pelo poder público em suas tarefas constitucionais de deter o monopólio estatal da violência, mesmo após quase duas décadas de retorno ao Estado democrático de Direito. Seus sintomas contemporâneos radicam, por exemplo, na sucessão de rebeliões nas prisões organizadas por dirigentes do crime organizado, como o Comando Vermelho e Terceiro Comando, no Rio de Janeiro; e oPrimeiro Comando da Capital, em São Paulo, este responsável pelo motim simultâneo de vinte e nove grandes prisões, no Estado de São Paulo, em fevereiro de 2001. Do mesmo modo, cada vez mais é flagrante a ousadia no resgate de presos. Ademais, a existência de áreas, na maioria das metrópoles brasileiras, onde prevalecem as regras ditadas pelo tráfico de drogas sugere a constituição de quistos urbanos isentos da aplicação das leis.
A face visível desta crise do sistema de Justiça criminal é, sem dúvida, a impunidade penal(1). Ao lado do sentimento coletivo, amplamente difundido entre cidadãos comuns, de que os crimes cresceram, e vem crescendo e se tornando cada vez mais violentos, há igualmente o sentimento de que os crimes não são punidos; ou, quando o são, não o são com o rigor de que seria esperado diante da gravidade dos crimes que têm maior repercussão na opinião pública. Mas, há também um outro lado da questão. Se muitos crimes deixam de merecer sanções penais, quaisquer que sejam, isso não significa dizer que a Justiça penal é pouco rigorosa. As sanções alcançam preferencialmente grupos sociais singulares, como negros e migrantes, comparativamente às sanções aplicadas a cidadãos brancos, procedentes das classes média e alta da sociedade(2). A imagem flagrante do sistema de Justiça criminal é de um funil: largo na base – área na qual os crimes são oficialmente detectados – e estreito no gargalo, região onde se situam aqueles crimes cujos autores chegaram a ser processados e por fim acabaram sendo condenados.
Não é certamente um cenário próprio à sociedade brasileira. Em outras sociedades do mundo ocidental essa imagem é também presente, em particular nos Estados Unidos; porém, singular à sociedade brasileira é a magnitude do funil: extremamente largo na base, excessivamente estreito no gargalo. Os poucos estudos disponíveis(3) – sugerem que as taxas de impunidade são mais elevadas no Brasil do que em outros países, como França(4), Inglaterra(5), Estados Unidos(6). A carência de dados estatísticos e de levantamentos sistemáticos periódicos impede o conhecimento da efetiva magnitude e extensão da impunidade penal no Brasil. A despeito destas limitações, algumas avaliações parciais já indicam algo a respeito. Crimes como furtos ou que compreendem a chamada pequena criminalidade, em regra, não chegam a ser investigados, sobretudo se a autoria for desconhecida. Mesmo casos mais graves, como roubos, tráfico de drogas e até homicídios, compõem as chamadas áreas de exclusão penal. Há suspeitas de que as taxas de impunidade sejam proporcionalmente mais elevadas para as graves violações de direitos humanos, tais como: homicídios praticados pela polícia, por grupos de patrulha privada, por esquadrões da morte e/ou grupos de extermínio; ou ainda homicídios consumados durante linchamentos e naqueles casos que envolvem trabalhadores rurais e lideranças sindicais. Do mesmo modo, parecem altas as taxas de impunidade para crimes do colarinho branco cometidos por cidadãos procedentes das classes médias e altas da sociedade.
Os poucos dados disponíveis são surpreendentes. No Estado de São Paulo, em 1970, do total de pessoas processadas, 75% foram denunciadas; 27% condenadas; e 48% absolvidas. Em 1982, essas proporções reduziram-se respectivamente para 65%, 22% e 43%. Enquanto a instauração de inquéritos penais, no período de 1970-1982, cresceu 191,4% e as ações penais, 148,5%; os inquéritos arquivados cresceram 326,2%. Do mesmo modo, a extinção de punibilidade cresceu de 3,4% para 6,3%(7). No mesmo período, para o Estado do Rio de Janeiro, um estudo sobre a evolução do crime(8) observou que as chances de condenação, em crimes contra o patrimônio, vinha declinando: em 1976, era de 0,0506; em 1980, 0428. Vale dizer, no início do período, para cada cem crimes contra o patrimônio, condenavam-se cinco infratores; poucos anos mais tarde, quatro infratores eram condenados. O mesmo estudo constatou ainda que o crescimento em 50% da criminalidade urbana, entre 1977 e 1986, foi acompanhado do declínio, em 27,4%, das taxas de aprisionamento (população prisional/100.000 habitantes).
Para a década de 1990, o quadro não é menos grave. Alguns anos mais tarde, Soares e outros(9) atualizaram as análises sobre a evolução da violência no Estado e Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Seus resultados indicam, para o município do Rio de Janeiro, tão somente 8,1% dos inquéritos sobre homicídios dolosos (isto é, intencionais) e 8,9% dos inquéritos sobre roubos seguidos de morte (modalidade mais conhecida como latrocínio) foram convertidos em processos penais, no ano de 1992. Nesse mesmo ano, 92% dos crimes dolosos contra a vida deixaram de merecer alguma sanção penal. Para o município de São Paulo, Castro(10), observando homicídios praticados contra crianças e adolescentes, no ano de 1991, constatou que apenas 1,72% de todos os crimes denunciados alcançaram uma sentença condenatória, transitada em julgado, no final do período observado, o ano de 1994. Essa tendência parece ter-se mantido ao longo da década. Em 1999, transitaram pelo I Tribunal de Júri da capital cerca de 10 mil processos instaurados para apuração de responsabilidade penal em homicídios. Em torno de 70%, os processos foram arquivados(11).
A conseqüência mais grave deste processo em cadeia é a descrença dos cidadãos nas instituições promotoras de justiça, em especial encarregadas de distribuir e aplicar sanções para os autores de crime e de violência. Cada vez mais descrentes na intervenção saneadora do poder público, os cidadãos buscam saídas. Aqueles que dispõem de recursos apelam, cada vez mais, para o mercado de segurança privada, um segmento que vem crescendo há, pelo menos, duas décadas. Em contrapartida, a grande maioria da população urbana depende de guardas privados sem profissionalização, apóia-se perversamente na proteção oferecida por traficantes locais ou procura resolver suas pendências e conflitos por conta própria. Tanto num como noutro caso, seus resultados contribuem ainda mais para enfraquecer a busca de soluções por intermédio das leis e do funcionamento do sistema de Justiça criminal.
Sérgio Adorno é professor associado do Departamento de Sociologia da USP, coordenador do NEV/USP, diretor de educação do projeto Cepid/Fapesp e coordenador do projeto Cepid, um estudo sobre impunidade no município de São Paulo.
Referências Bibliográficas
1 Dahrendorf, R. Lei e ordem. Brasília: Instituto Tancredo Neves, 1987.
2 Adorno, S. Discriminação racial e justiça criminal em São Paulo. Novos Estudos. Cebrap. São Paulo, Cebrap, 43: 45-63, novembro 1995. Costa, C. A R. da (1995). Cor e crime: estudo e análise da justiça no Rio de Janeiro(1900-1930). Rio de Janeiro: Editora da UFRJ. Vargas, J. (2000). Crimes sexuais e sistema de justiça. São Paulo: IBCrim, 1995.
3 Soares, L. E. e outros. Crime e política no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1996. Adorno, S. S. Cidadania e administração da Justiça criminal. In: Diniz, E.; Leite Lopes, S. E., Prandi, R. (orgs.). O Brasil no rastro da crise. Anuário de Antropologia, Política e Sociologia. São Paulo: Anpocs/IPEA, Hucitec, 1994. p. 304-27.Adorno, S. Discriminação racial e justiça criminal em São Paulo. Novos Estudos. Cebrap. São Paulo, Cebrap, 43: 45-63, novembro, 1995. Pinheiro, S.; Adorno, S.; Cardia, N. Continuidade autoritária e construção da democracia. Relatório final de pesquisa. São Paulo: NEV/ USP, 4 v. (Fapesp), 1999. In: www.nev.prp.usp.br.Castro, M.M. P. de. Vidas sem valor: um estudo sobre os homicídios de crianças e adolescentes e a atuação das instituições de segurança e justiça. Tese de Doutorado em Sociologia. PPGS/FFLCH-USP, 1996, p. 279.
4 Robert, P.; Aubusson de Cavarlay, B.; Pottier, M. L.; Tournier, P. Les comptes du crime. Les délinquences en France et leurs mesures. Paris: LHarmattan, 1994.
5 Jefferson, T. e Shapland, J. Criminal Justice: order and control. British Journal of Criminology, 1994, 34(3): 265-290.
6 Gurr, T.R. Violence in America: the history of crime (violence, cooperation, peace), an International Series, v. 1. Newbury Park: Sage Publications, 2v., 1989. Donzinger, S., ed. The real war on crime. New York: The National Criminal Justice Commission, 1996.
7 Adorno, S. S. Cidadania e administração da Justiça criminal. In: Diniz, E.; Leite Lopes, S. E Prandi, R. (orgs). O Brasil no rastro da crise. Anuário de Antropologia, Política e Sociologia. São Paulo: Anpocs/IPEA, Hucitec, 1994. p. 304-27.
8 Coelho, E. C. A criminalidade urbana violenta. Dados – Revista de Ciências Sociais. Rio de Janeiro: Iuperj, 1988, 31(2): 145-83.
9 Soares, L. E. e outros. Crime e política no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1996.
10 Castro, M.M. P. de. Vidas sem valor: um estudo sobre os homicídios de crianças e adolescentes e a atuação das instituições de segurança e justiça. Tese de Doutorado em Sociologia. 1996, PPGS/FFLCH-USP, 279p.
11 O Estado de S. Paulo, editorial, 22/05/2001.
© 2014 Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
Universidade Estadual de Campinas
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