quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

O SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL NA EXECUÇÃO PENAL - VISÃO GLOBAL

Dalio Zippin Filho - Redação O Estado do Paraná, 19/07/2008 às 16:35:42


A vida em sociedade exige um complexo de normas disciplinadoras que estabeleçam as regras indispensáveis ao convívio entre os indivíduos que a compõem.

O conjunto dessas regras denomina-se direito positivo, que deve ser obedecido e cumprido por todos os integrantes do grupo social e prevê as conseqüências e sanções aos que violarem seus preceitos.

À reunião das normas jurídicas pelas quais o estado proíbe determinadas condutas, sob ameaça de sanção penal, estabelecendo ainda os princípios gerais e os pressupostos para a aplicação das penas e das medidas de segurança, dá-se o nome de direito penal.

Das necessidades humanas decorrentes da vida em sociedade surge o direito, que visa a garantir as condições indispensáveis à coexistência dos elementos que compõem o grupo social.

O fato que contraria a norma oferecendo ou pondo em perigo um bem alheio ou a própria existência da sociedade é um ilícito jurídico, que pode ter conseqüências meramente civis, que não nos interessa nesse momento, ou possibilitar a aplicação de sanções penais, que nos interessa.

Quando, em muitas vezes, as sanções civis se mostram insuficientes para coibir a prática de ilícitos jurídicos graves, que atingem não apenas interesses individuais, mas também bens jurídicos relevantes em condutas profundamente lesivas à vida social, arma-se o estado, então, contra os respectivos autores desses fatos, cominando-se e aplicando sanções severas por meio de um conjunto de normas jurídicas que constituem o direito penal.

O fim do direito penal é a proteção da sociedade e, mais precisamente, a defesa dos bens jurídicos fundamentais, tais como a vida, integridade física e mental, honra, liberdade, patrimônio, costumes e paz pública.

Muitas são as críticas apontadas contra o sistema punitivo.

Uma delas é a de que ele é burocrata e insensível outra, que é retrógrado e oportunista.

O processo de compartimentalização de funções subjacentes ao sistema punitivo faz dele um mecanismo sem alma.

Nils Christie diz que “a distância social tem uma importância particular. A distância aumenta a tendência de atribuir a certos atos significado de crimes, e às pessoas, o simples atributo de criminosas”.

Nós criamos os crimes. O crime como expressão de um conflito, na maior parte das vezes, não é mais compreendido pelos juristas. Seu encastelamento em torno das normas impede o questionamento da lei e a busca do fundamento doutrinário da pena.

Os conceitos com puro esteio na norma neutralizaram a discussão sobre as determinações sociais do delito, sobre qualificação política da transgressão ou sobre as razões existenciais, estruturais e conjunturais que condicionam a pena.

A dogmática estrita cobre com um manto supostamente neutro as decisões cotidianas da Justiça que são, antes de tudo, humanas.

O referencial de sensibilidade foi substituído pelo paradigma da lei.

Tem-se como premissas da punição ou sanção, em aspecto criminal, os caráteres retributivo, preventivo e ressocializador.

Podemos entender como retributivo a noção de que todo mal causado a outrem deve ser rebatido pelo Estado, numa nítida demonstração de “quem fez deve pagar”.

O preventivo, genérico por natureza, trás em sua própria definição a vontade de isolar aquele que, vivendo dentro das regras socialmente impostas, as violou.

Tem como base o homem, aquele ser humano capaz de transgredir a mediocridade das ações de um homem diligente.

O aspecto ressocializador visa a trazer este mesmo homem, já retribuído em seu ato e prevento em seu meio, para aquela sociedade outrora violada, só que desta vez pronto para comportamentos mais regrados em seu meio.

As legislações não mudam comportamentos; estes necessitam de uma fórmula, complexa em sua essência, discutida em todos os recantos do País e de nosso planeta, e sem dúvida, antagônica e divergente junto a seus autores.

Não há pacificação no entendimento e na doutrina do combate à criminalidade, nem tampouco aos meios necessários para a extinção de impunidade. Em verdade, desde a década de 70, a política social e criminal em nosso País não mais se preocupou com os estabelecimentos penais, seja em sua implementação, manutenção ou reformulação.

Com um contingente carcerário de aproximadamente quatrocentos e vinte e oito mil encarcerados, nosso País sobrevive, sacrificando a própria sociedade.

Seria desnecessário entoar os sons de nossas celas, superlotadas e degradantes, capazes de subverter qualquer ser humano, transformando-os em homens piores do que antes. Nossos legisladores funcionam como a maré dos oceanos, ora a favor, ora contra, vislumbrando imediatismo, ausência de estratégia político-governamental e desinteresse político partidário, associado a interesses pessoais.

Em dados momentos, de acordo com acontecimentos de cunho criminal, explorados na mídia, leis são aprovadas, na ardência das emoções, desfigurando uma estratégia político-governamental. Em um momento, aplaudimos institutos amenizadores do sistema punitivo, como a aplicação de alternativas penais, desafogadoras do sistema carcerário, e em outros momentos, aplaudimos igualmente, na ardência das emoções, leis “hediondas”, que pregam um maior rigor nas punições altos e baixos, o ir e vir, sem buscar a direção certa.

Buscamos esvaziar as celas dos cárceres com pacotes e medidas legislativas que criam um verdadeiro caos, que resulta na certeza da impunidade, quando o ideal a ser alcançado é a certeza da punição sem que seja esquecida a dignidade da pessoa humana.

Os códigos, quando elaborados, fazem parte de um sistema e assim devem permanecer, pois, se esse sistema for quebrado, todo o arcabouço estará comprometido. As últimas modificações legislativas que alteraram os Códigos Penal e de Processo Penal e regulamentaram alguns artigos da Constituição Federal quebraram de certa forma o sistema, criando, na maioria das vezes, verdadeiros monstros jurídicos. O Decreto-Lei 2848 de 7/12/40 (Código Penal), no decorrer dos seus sessenta e sete anos já sofreu inúmeras alterações, sendo a principal delas em 11/7/84 pela Lei n.º 7.209, que alterou a sua Parte Geral, mas, observem bem, toda a sua Parte Geral.

Agora, em nome do combate à criminalidade, impõe-se um direito penal do terror, onde crimes são capitulados sem que haja qualquer discussão no meio jurídico e onde o sistema é todo alterado e quebrado.

O Código Penal de 1940 ostentava uma acentuada influência do Código Italiano de 1930 e do Código Suíço de 1937 sem adotar a pena de morte e a prisão perpétua.

A regra geral era a pena privativa de liberdade com variações de tempo de duração entre limites rígidos. A pena privativa de liberdade só era atenuada em sua rigidez com a possibilidade da Suspensão Condicional da Pena (Sursis) para as condenações inferiores a dois anos e da antecipação da liberdade mediante o cumprimento de determinadas condições (Livramento Condicional). Desta forma, o direito penal, por si, enquanto instrumento de combate à criminalidade, junto com a justiça criminal, aqui se entendendo o Judiciário, Ministério Público e advogados, não tem força para modificar o quadro atual.

Os movimentos de lei e ordem prometeram resultados que não cumpriram e nem vão cumprir os seus propósitos. Em verdade não fizeram mais do que fortalecer a instituição da prisão, retirando dos seus destinatários as garantias antes prometidas. É ilusão pensar que penas mais severas e mais polícia reduzem a criminalidade. É preciso que a política criminal do País, seguindo o pensamento da Nova Defesa Social, cuide de implementar não só a reforma das leis, mas, principalmente, a reforma das instituições públicas, que devem interagir, enquanto aparelhos de contenção, na luta contra a criminalidade. A grande verdade que se constata é que quanto maior o número de leis, mais aumenta a criminalidade.

A população carcerária atinge níveis inimagináveis - a previsão é de que deve dobrar nos próximos cinco anos. A insegurança nas ruas constitui hoje o problema que causa mais preocupação, temor e insatisfação aos habitantes de todos os quadrantes do País. A lei precisa começar a permitir aquilo que já existe de fato ou seja, a livre negociação entre as partes, a reconciliação, o perdão.

O Ministério Público, dono da ação penal, não goza do direito de desistir e transigir no curso do processo iniciado, mesmo verificando que o castigo não irá surtir efeito algum. Não se aceita mais aquela espécie de direito penal punitivo repressivo, ao estilo clássico. O que se deseja hoje é um direito penal realista, social e humanitário.

Pouco a pouco, o direito penal regressa aos tempos da composição, admitindo a indenização, o acordo, a restituição da coisa, o perdão do ofendido, como causas de extinção da punibilidade, bem como a solução da arbitragem. Vai perdendo o seu caráter essencialmente punitivo, quando o Estado passa a dar ênfase à prevenção, descriminaliza inúmeras condutas, pune outras muito mais atenuadamente, e, sobretudo substitui as penas privativas de liberdade por multa ou penas restritivas de direitos ou substitutivos penais. O direito penal é apenas um dos instrumentos de controle social de que lançam mão os grupos dominantes para consolidar o poder. O direito penal Mínimo preconiza a menor intervenção estatal possível, aliada, sempre, ao mais amplo espectro de garantias.

A efetivação desse princípio pode se dar através de distintas vertentes: pelo processo legislativo, através da descriminalização, despenalização e descarcerização;pelo Poder Executivo, via uma política preventiva eficiente; finalmente, no âmbito processual, justamente através de um processo penal que proporcione a todas as pessoas a ele submetidas, e especialmente, ao acusado, amplas garantias.

O moderno direito penal tem, como funções, tanto tornar viável a aplicação da pena como também servir de efetivo instrumento de garantia dos direitos e liberdades individuais. Funciona esse ramo do direito como limitador da atividade estatal, estruturando-se de modo a garantir plena efetividade aos direitos individuais constitucionalmente previstos, como a presunção de inocência, contraditório, ampla defesa, etc.

Precisas as observações que seguem do ministro Marco Aurélio de Mello: “Precisamos parar com essa mania de acreditar que vamos corrigir as mazelas do Brasil mediante novas leis. O que precisamos, em última análise, é de homens que cumpram as existentes”. (in Folha de S.Paulo de 22/4/2001)

Carlos Mario da Silva Velloso, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, a seu turno, com propriedade assevera que “as penas alternativas constituem um excelente método de recuperar. A cadeia, as grades, devem ser reservadas para os criminosos perigosos, aqueles que podem causar danos e riscos à sociedade. Mas é preciso atenção: não pode haver impunidade. A mais leve transgressão às regras da sociedade deve ser punida, de preferência com prestação de serviços à comunidade e multas altas de milhões de reais, especialmente para os crimes de colarinho branco e crimes tributários”. (Jornal do Advogado Minas Gerais março/2001)

O professor Fernando da Costa Tourinho Filho, processualista de escol, nos diz que “o direito penal não é a panacéia para todos os males da sociedade. Essas novas tendências valorizam o direito penal, que só deve ser chamado quando, realmente, a sua atuação for imprescindível, quando estiver em jogo um bem de real significado para a sociedade, e que só ele possa agir eficazmente”.

Genuzio Bentini, por fim, arremata que “a verdade, a verdadeira verdade, não é nunca aquela que chega até nós... Por mim, convenci-me de que a verdade não entra nas salas dos tribunais, nem mesmo nos processos de grande repercussão. Ela fica sempre pelas escadas, ou pelo caminho”.

Antes do século XVII, a prisão era apenas um estabelecimento de custódia, em que ficavam detidas pessoas acusadas de crime, à espera da sentença, bem como doentes mentais e pessoas privadas do convívio social por condutas consideradas desviantes (prostitutas, mendigos ) ou questões políticas. No final do século XVII, a pena privativa de liberdade era a principal sanção penal e a prisão passou a ser o local da execução das penas. Nascem, então, as primeiras reflexões sobre a organização das casas de detenção e sobre as condições de vida dos detentos.

Recentemente, o modo de execução da pena adquiriu lugar de destaque tendo em vista que a pena não tem somente finalidade retributiva e preventiva, mas também, e principalmente, a reintegração do condenado na comunidade. É neste contexto que surge a autonomia do direito penitenciário.

O reconhecimento dos direitos humanos do apenado é que dá juridicidade à execução penal, e origem ao direito penitenciário. O princípio da proteção dos direitos humanos do preso é que fundamenta a autonomia do direito penitenciário. O direito penitenciário deriva da unificação de normas do direito penal, do direito processual penal, do direito administrativo, do direito do trabalho e da contribuição das ciências criminológicas, sob o influxo dos princípios de proteção dos direitos da pessoa do preso, humanidade, legalidade e jurisdicionalidade da execução penal.

Durante muito tempo, o condenado foi objeto da execução penal e só recentemente é que ocorreu o reconhecimento dos direitos da pessoa humana do condenado, ao surgir a relação de direito público entre o condenado e o Estado.

O direito penitenciário resultou da proteção dos direitos da pessoa humana do preso. Esses direitos se baseiam na exigência ética de se respeitar a dignidade do homem como pessoa moral. O delinqüente, qualquer que seja o grau de sua decadência, não perdeu essa dignidade, atributo essencial do ser humano, que constitui o supremo valor que deve inspirar o direito. Os princípios da política penal e penitenciária universalmente aceita consideram o acusado e o condenado como pessoa sujeita a direitos e deveres, objetivando a sua permanência ou sua reintegração no convívio social.

Pena é a imposição da perda ou diminuição de um bem jurídico, prevista em lei e aplicada pelo órgão judiciário a quem praticou um ilícito penal. Teorias unitárias ou ecléticas (predominam na atualidade) e buscam conciliar a exigência de retribuição essência da pena com os fins de prevenção geral e de prevenção especial, retribuição manifestada através do castigo. Prevenção como instrumento de defesa da sociedade.

A pena encontra sua justificação no delito perpetrado e na necessidade de se evitar a prática de novos delitos no futuro. É indispensável que a pena seja justa, proporcional à gravidade do injusto e à culpabilidade de seu autor e necessária à manutenção da ordem social.

A Carta Magna proclama a proteção dos direitos do indivíduo a partir da prática da infração penal, momento em que o direito de punir, de abstrato, transforma-se em concreto, surgindo a persecutio criminis in judicio como poder-dever do Estado

A evolução do pensamento penal conduz à obediência à regra da proibição de penas desnecessárias, desumanas, cruéis ou degradantes. A pena de prisão, desacreditada em sua função ressocializadora, deve ser a última razão e aplicada aos delitos de maior gravidade cometidos por delinqüentes perigosos. A resposta penal clássica da pena de prisão, além de representar a forma mais drástica e violenta de comportamento estatal diante do delito, pouco contribui para evitar a reincidência e assegurar a paz social.

O cumprimento da pena em cadeia, maltrata, corrompe e degenera o homem. A preponderância da ressocialização, como fim da execução da pena, não deve pautar somente os programas de política criminal, mas formular uma ética jurídica e penitenciária que represente equilíbrio entre a liberdade individual e os interesses de uma sociedade democrática.

A prisão não serve para o que diz servir; neutraliza a formação ou o desenvolvimento de valores;estigmatiza o ser humano; funciona como máquina de reprodução da carreira no crime; introduz na personalidade a prisionalização da nefasta cultura carcerária; estimula o processo de despersonalização e legitima o desrespeito aos direitos humanos.

A prisão deve ficar reservada aos casos em que o infrator represente perigo físico concreto à sociedade, possibilitando, por outro lado, que as sanções substitutivas do emprisionamento possam reduzir a pressão sobre os recursos financeiros exigidos para manter a prisão, abrindo espaço para a ocupação racional desses estabelecimentos, além de permitir que o condenado cumpra a pena próxima da sua família e da comunidade em que vive. O problema fundamental em relação aos direitos humanos, hoje, não é tanto justificá-los, nem saber quantos ou quais são esses direitos, qual a sua natureza e o seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim, qual o modo mais seguro de protegê-los, impedindo que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados.

Só se alcançará, nos dias atuais, uma sociedade organizada de maneira a maximizar as relações solidárias e participativas e não-antagônicas de seus membros através da vivência e eficácia dos direitos humanos. Em um país de gritantes e profundos conflitos e desigualdades sociais, em que ainda há o desrespeito aos direitos e garantias fundamentais do cidadão e persistem o preconceito e a discriminação contra determinadas minorias sociais e ético-culturais, a exemplo das mulheres, idosos, deficientes físicos, homossexuais, índios, negros, encarcerados e pobres, o estudo desses conhecimentos nas escolas contribuirá para o desenvolvimento de uma nova mentalidade de tolerância, de reconhecimento da alternatividade e de respeito à diferença. A xenofobia (aversão a pessoas e coisas estrangeiras) e o racismo (qualquer doutrina que sustenta as superioridades biológicas, culturais ou morais de determinada raça ou de determinada população, povo ou grupo social ), as guerras étnicas, o preconceito e os estigmas, a segregação e a discriminação baseadas na raça, na etnia, no gênero, na idade ou na classe social são todos fenômenos amplamente disseminados no mundo, e que implicam altos graus de violência. Neste momento crucial da vida brasileira, no início desse novo século, onde os valores sociais e morais estão sendo invertidos por alguns, onde a corrupção é incentivada juntamente com o individualismo e a deslealdade, todos têm o dever de lutar com suas forças contra esses males.

Recentemente foi publicado em todos os jornais do País o relatório da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos, onde o Estado brasileiro é citado como um dos países que oferecem o mais grave quadro de violações dos direitos humanos.

A brutalidade policial, o pior sistema carcerário das Américas, ataques injustificados aos setores mais vulneráveis da população, como os camponeses, os menores destituídos, as mulheres, os homossexuais e os indígenas. Diz o relatório que o Brasil avançou muito, mas ainda deixa a desejar no oferecimento das garantias necessárias a setores importantes da população brasileira a fim de assegurar os seus direitos humanos seja por meio de suas instituições preventivas, de polícia e de justiça, seja por meio de esforços institucionais para minimizar a discriminatória desigualdade de oportunidades socioeconômicas e culturais. As desigualdades sociais devem ser eliminadas porque provocam situações de ilegalidade generalizada.

O relatório da Comissão de Direitos Humanos da OEA critica o sistema judiciário brasileiro, que sofre de lentidão, formalismos complexos e desnecessários e debilidade institucional, recomendando a simplificação e aceleramento dos procedimentos judiciais, a intensificação do Plano Nacional de Direitos Humanos, a resolução do problema do acesso à propriedade rural, a defesa efetiva dos direitos dos povos indígenas, a proteção efetiva das crianças em condições carentes e a ampliação de instituições na defesa das minorias.

Os direitos humanos devem ser respeitados em qualquer circunstância e é hipócrita quem entende que lutar por esses direitos equivale a defender bandidos, pois todos, honestos e criminosos, têm direitos e obrigações.

Consta do relatório que as condições de detenção e prisão no sistema carcerário brasileiro violam os direitos humanos, provocando uma situação de constantes rebeliões, onde, em muitos casos, os agentes do governo reagem com descaso, excessiva violência e descontrole. As prisões do mundo e, principalmente, no Brasil não proporcionam ao condenado preso a sua recuperação. São ambientes tensos, em péssimas condições humanas onde a superlotação é comum. Os direitos previstos na Lei de Execuções Penais não são aplicados na prática. Há violência contra os condenados, praticados por aqueles que têm a incumbência de custodiá-los e mesmo por outros presos. O ambiente de uma unidade prisional é muito mais propício para o desenvolvimento de valores nocivos à sociedade do que ao desenvolvimento de valores e condutas benéficas.

A Constituição Federal e as leis brasileiras contêm prescrições avançadas com relação aos direitos e ao tratamento que deve ser considerado aos presos e também no tocante ao cumprimento da pena.

Consta do relatório que 95% dos presos são indigentes e 97% são analfabetos ou semi-analfabetos. A reincidência na população carcerária é de 85% o que demonstra que as penitenciárias não estão desempenhando a função de reabilitação e ressocialização dos detentos. Ressocializar significa tornar o ser humano capaz de viver em sociedade novamente, modificando a sua conduta, socialmente aceita e não nociva à sociedade como a maioria dos homens fazem. Para ressocializar o condenado, pressupõe-se que este condenado possua um mínimo de capacidade de condições de assimilar o processo de ressocialização.

No Estado Democrático de Direito, o termo reintegração ou ressocialização deve ser entendido como fim da pena privativa de liberdade na promoção de respeito aos direitos humanos dos presos ou à dignidade da pessoa humana encarcerada para efetivar uma verdadeira inserção social do apenado.

É necessário que o condenado, embora preso sob custódia do estado, exerça uma parcela mínima, mas fundamental de sua liberdade e de sua personalidade. É imprescindível que ao cercear a liberdade do preso, não se lhe retire a sua qualidade humana.

Para uma população carcerária de aproximadamente 428 mil presos há um déficit de vagas de cerca de 200 mil. A falta de espaço, o amontoamento, a promiscuidade e a superpopulação nos estabelecimentos penitenciários e nas cadeias públicas é tamanha que o espaço físico destinado a cada preso, em alguns locais, é menos de sessenta centímetros quadrados. Os presos são amontoados, depositados, aviltados, violados, sacrificados e mal alimentados.

Este caldeirão de problemas geram rebeliões, justas diante da violação dos direitos fundamentais, onde os direitos humanos dos presidiários são completamente desrespeitados pelo Estado que tem a obrigação de fazer respeitar aqueles direitos.

Na entrevista fictícia de Marcola, publicada recentemente nos jornais, foi travado o seguinte dialogo que retrata a nossa realidade:

“Você é do PCC? Mas que isso, eu sou um sinal de novos tempos. Eu era pobre e invisível... Vocês nunca me olharam durante décadas... e antigamente era mole resolver o problema da miséria... O diagnóstico era óbvio: migração rural, desnível de renda, poucas favelas, ralas periferias... A solução é que nunca vinham... Que fizeram? Nada.

O governo federal alguma vez alocou uma verba para nós? Nós só aparecíamos nos desabamentos no morro ou nas músicas românticas sobre a beleza dos morros no amanhecer, essas coisas... Agora, estamos ricos com a multinacional do pó. E vocês estão morrendo de medo... nós somos o início tardio de vossa consciência social...”

O agente penitenciário é uma categoria especial de servidor público, tendo em vista que ele é o elemento principal na recuperação e na ressocialização do apenado. No desempenho de suas tarefas, os agentes penitenciários devem respeitar e proteger a dignidade humana, bem como manter e defender os direitos humanos de todas as pessoas. Agentes penitenciários, muitas vezes, tratam os presos de maneira desumana, cruel e prepotente, o que se traduz em torturas e corrupção. Isto se deve basicamente à falta de treinamento especializado desses funcionários no que diz respeito aos direitos humanos e ao tratamento do preso, além da escassez e má remuneração dos funcionários. Outro fator que contribui é a falta de supervisão e controle adequado, o que acaba gerando impunidade.

O sistema penitenciário brasileiro padece de falta crônica de agentes carcerários, existindo, segundo o último censo penitenciário, 11 presos para cada funcionário, quando a recomendação da ONU é de que seja três presos por funcionário. Promessas existem muitas de aperfeiçoamento no treinamento dos agentes penitenciários, recrutamento e melhoria das condições de trabalho, mas quando será que isto deverá se concretizar?

Nos estabelecimentos prisionais ocorrem, em média, duas rebeliões e três fugas por dia, tendo como causas, além da superpopulação carcerária, falta de assistência jurídica, médica e religiosa, demora na tramitação judicial dos pedidos e maus tratos, principalmente praticados pelos agentes penitenciários. As rebeliões no interior dos presídios tiveram em muitas ocasiões conseqüências trágicas, custando a vida de muitos presos e de agentes prisionais. Sempre que as autoridades penitenciárias decidiram não negociar com os rebelados e esmagar as rebeliões com violência, ocorreram mortes de guardas e detentos, ao passo que quando houve negociação, o número de vítimas fatais foi bem menor. O uso de força por parte dos agentes penitenciários só deve ser aplicado em casos excepcionais, observando-se estrita obediência aos critérios de que seja proporcional ao perigo e razoavelmente necessária, de acordo com as circunstâncias, para a prevenção do delito e que seja proporcional à ameaça e ao risco. A negociação deve ser o instrumento idôneo, para o qual se deve treinar o pessoal e desenvolver técnicas e especialistas apropriados.

O propósito das penas privativas de liberdade é o de separar os indivíduos perigosos da sociedade para protegê-la contra o crime e a readaptação social dos condenados.

O preso condenado no Brasil é originário, na maioria das vezes, das classes menos favorecidas da sociedade. São pessoas que desde a tenra infância são pressionados e oprimidos pela sociedade civil, vivem nas favelas, nos morros, nas regiões mais pobres em precárias condições de vida, em meio ao esgoto, à discriminação social, à completa ausência de informações de formação educacional e escolar. Sem um background social de uma mínima formação educacional e social, o preso-condenado, mesmo antes de se tornar um delinqüente, já ocupa uma posição inferior em relação ao pacto social, do contrato social. Seus familiares também tiveram a mesma sina e a sua será possivelmente pior, pois a crise social a cada dia é mais grave.

Nossa polícia obedece aos moldes do Estado paternalista, pois foi criada em um regime totalitário com a função de reprimir e não prevenir a criminalidade, orientada contra o cidadão e não a favor do cidadão, reprime pela violência, utilizando o que combate como arma de combate, o que não se coaduna com um regime democrático.

O regime penitenciário deve empregar os meios curativos, educativos, morais, espirituais e todas as formas de assistência, que possa dispor, no intuito de reduzir o máximo possível às condições que enfraquecem o sentido de responsabilidade dos reclusos ou o respeito à dignidade de sua pessoa e a sua capacidade de readaptação social. O Judiciário não está aparelhado e vê-se em dificuldades para resolver as excessivas demandas que abarrotam o poder.

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