domingo, 12 de fevereiro de 2012

O SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

Saulo Antônio Mansur - Governador Valadares(MG)- FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA - 28/03/2007

O ordenamento jurídico brasileiro é composto por uma série de micros-sistemas normativos, cada um voltado para disciplinar determinada seara de atuação social.

Assim temos os Direito Civil, Empresarial e Trabalhista (regulam, em regra, as relações privadas), bem como os Direitos Constitucional, Administrativo, Tributário, Previdenciário, Processual, Ambiental, dentre outros, que moldam as condutas sociais onde o interesse público estatal possui uma maior atenção em evitar o descumprimento de tais preceitos.

Ao conjunto de normas impostas coercitivamente pelo Estado com a finalidade de manter a paz social, definindo crimes e impondo sanções ou medidas de segurança, denomina-se Direito Penal.

Esse ramo do Direito é chamado pelos penalistas modernos como a "última razão", ou seja, só deve atuar quando as outras formas jurídicas de controle social, leia-se, outros ramos do Direito, foram ineficazes em evitar uma conduta contrária ao ordenamento jurídico vigente.

Evidentemente que o Direito Penal não regula todos os comportamentos sociais, bem como nem pode, sob pena de cair em descrédito. Reserva a esta Ciência o controle das atividades mais nocivas que um ser humano pode praticar em sociedade -Princípio do Direito Penal Mínimo.

Contudo, a aplicação do Direito Criminal está jungida a uma teia organizacional composta de vários órgãos chamada de Sistema de Justiça Criminal.

O Sistema de Justiça Criminal deve ser considerado sob dois ângulos: "lato sensu" e "estricto senso". O primeiro leva em consideração todas as medidas estatais preventivas da criminalidade, como a distribuição da renda, educação, saúde, saneamento básico, emprego etc, em síntese, tem enfoque sociológico. O segundo é o que interessa no momento.

Com o advento da Constituição Federal de 1988 instaurou-se no Brasil um novo modelo de justiça criminal, cujo mecanismo de funcionamento é dividido em duas fases. A primeira é a administrativa, chamada pelos aplicadores do Direito como extrajudicial, e que tem início com o trabalho ostensivo/preventivo da polícia uniformizada, com escopo de impedir a prática de delitos. Nessa fase, quando o trabalho preventivo não é capaz de evitar o crime, cabe ao Estado, atendidas algumas exigências legais, o dever de descobrir o autor do ilícito para que o mesmo seja submetido a julgamento, eis que é "vedado ao particular fazer justiça com as próprias mãos".

A tarefa investigativa é consagrada nas Constituição da República e dos estados-membros à Polícia Judiciária (Polícia Civil nos Estados Membros e Federal, na União), através do procedimento denominado Inquérito Policial.

Nesse instrumento investigatório são produzidas provas que visam elucidar a autoria e materialidade da infração objeto de investigação, tais como depoimentos testemunhais, declarações de vitimas, reconstituição de crimes, confissões de suspeitos, apreensão de instrumentos e/ou objetos e/ou produtos de crimes, exames de necrópsia, reconhecimento de pessoas, acareações, dentre outras.

Toda esta colheita probatória é presidida por profissional bacharel em Direito, previamente aprovado em concurso público de provas e de títulos, denominado Delegado de Polícia, que tem por finalidade gerenciar esta produção pluricientífica, com lastro na legislação em vigor e, principalmente, atento ao preceitos estatuídos na Constituição Federal.

Confeccionado o caderno policial, a polícia judiciária, após o delegado de polícia realizar a subsunção cognitiva do fato criminoso à norma penal, dá por termo as investigações, indiciando formalmente o investigado, que passa então a figurar como indiciado.

Concluídas as investigações o Inquérito Policial é remetido à "Justiça", terminando-se assim a fase administrativa do Sistema de Justiça Criminal. Na "Justiça" -Poder Judiciário -, inicia-se a segunda fase, denominada judicial, onde a vitima e/ou seu representante legal, bem como o Ministério Público, possuem o direito -para o parquet dever - de promover a ação penal contra o autor daquele delito apurado no Inquérito Policial. Ao Juiz cabe decidir pela absolvição ou condenação do acusado, conforme as provas dos autos.

Tanto na fase administrativa como na judicial o acusado de um crime tem o seu direito à liberdade ameaçado. É para não ferir os Princípios da Igualdade Formal e da Dignidade da Pessoa Humana que as autoridades que presidem a colheita de provas de um determinado crime -Delegado de Polícia na fase administrativa, e Juiz, na fase judicial - devem assegurar a produção de todas aquelas que tenham alguma relação com o fato delituoso, sejam elas prejudiciais ou benéficas ao imputado.

Tanto é assim que a doutrina e a jurisprudência brasileira é quase uníssona no sentido de que as únicas autoridades existentes no Sistema de Justiça Criminal são os Delegados de Polícia e os Juízes, pois estas devem se pautar pela imparcialidade quando no desempenho de suas atribuições legais. Os outros órgãos estatais que por ventura venham a atuar na repressão criminal ou são partes, tendo interesse em uma determinada decisão -Ministério Público, p.ex., - ou são testemunhas favoráveis ou contrárias aos interesses do Estado acusador (policiais militares, bombeiros, agentes penitenciários, etc.).

Vários estudiosos do fenômeno da criminalidade e do Sistema de Justiça Criminal consideram um equívoco a Polícia Judiciária pertencer à estrutura do Poder Executivo, pois é exatamente este Poder que exerce as atribuições de acusador na esfera criminal, através dos Promotores de Justiça, não sendo coerente que as autoridades que investigam -Delegados da Polícia Civil e Federal -, pertençam à mesma estrutura que acusa. Assim, existem estudiosos que defendem a Polícia Judiciária pertencente à estrutura do Poder Judiciário.

Durante a década de 1990, como os índices de criminalidades na maior parte do Brasil atingiam níveis aceitáveis, não se deu a devida atenção ao Sistema de Justiça Criminal. Com o crescimento da criminalidade nesta década as entidades políticas, principalmente a União e os Estados-Membros, sentiram a necessidade de implementar medidas no campo da Justiça Criminal, pois os índices atingiram níveis inaceitáveis. Depararam-se, no entanto, com o sucateamento do Sistema de Justiça Criminal (polícias judiciárias, estabelecimentos prisionais etc).

Percebeu-se que o "elo de ligação" entre as fases administrativa e judicial da persecução penal encontrava-se, no aspecto estrutural (recursos humanos e materiais), em dissonância com a demanda social.

Algumas medidas já começaram a serem adotadas no sentido de "recuperar o tempo perdido", no que pertine ao aperfeiçoamento do Sistema de Justiça Criminal. São políticas que apesar de tardias são bem vindas e necessárias, satisfazendo uma exigência da população. Contudo, não se pode perder de vista os direitos constitucionais assegurados aos cidadãos, sejam eles quem for, sob pena de que na "ânsia de reduzirmos a criminalidade a qualquer custo", retornemos ao período da Inquisição.


Saulo Antônio Mansur, Professor de Direito Penal, Pós-graduado em Direito Público e Delegado de Polícia em Minas Gerais

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