ZERO HORA 12 de maio de 2013 | N° 17430
LEITE ADULTERADO. Quem tem o poder de investigar
Atuação do Ministério Público no caso da fraude no leite seria inviável caso estivessem em vigor as regras da Proposta de Emenda Constitucional 37, em discussão no Congresso, que torna investigação criminal uma exclusividade das polícias Civil e Federal
ITAMAR MELO
A investigação que desvendou o esquema de fraude no leite é usada pelo Ministério Público Estadual como um exemplo do que a sociedade pode perder com uma legislação que tramita no Congresso Nacional.
No próximo mês, a Câmara dos Deputados deve apreciar a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) de número 37, que torna a investigação criminal uma exclusividade das polícias Civil e Federal.
Segundo o MP, se a emenda estivesse em vigor, a investigação do leite estaria ameaçada. Os gaúchos continuariam a beber um produto adulterado, sem saber. Quem investigou o caso foi o Ministério Público, sem participação da polícia.
– Essa investigação mostra o papel fundamental do Ministério Público e de outros órgãos na investigação. Se a PEC já estivesse em vigor, o MP não poderia ter feito nada. É provável que a investigação não tivesse saído, porque há uma deficiência na atuação da Polícia Civil. Um relatório da Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública diz que só 5% a 8% das investigações de homicídios são concluídas no país – afirma Ivory Coelho Neto, subprocurador-geral de Justiça para Assuntos Jurídicos.
Apresentada pelo deputado Lourival Mendes (PTdoB-MA), delegado da Polícia Civil, a PEC gera furor no meio jurídico e provoca uma queda de braço entre promotores e delegados. Seus adversários apelidaram-na de PEC da Impunidade, por alijar vários órgãos do direito de investigar.
O caso da investigação do leite tem suas raízes em um termo de cooperação firmado em 2008 entre o MP e o Ministério da Agricultura. Com base nesse documento, em fevereiro deste ano o ministério procurou o MP para comunicar que haviam sido constatados indícios de fraude.
MP duvida da polícia, que aponta distorção
O pedido de ajuda desembocou em um procedimento investigatório criminal, com participação do ministério e da Receita Estadual. Policiais cedidos ao MP também se envolveram. Foram realizados exames laboratoriais, interceptações telefônicas e tomada de depoimentos. No final, agentes das polícias Civil e Militar foram convidados a ajudar nas prisões dos envolvidos.
Caso a PEC 37 estivesse em vigor, a investigação teria de ser realizada necessariamente na esfera policial, a partir de um registro feito pelo ministério ou de uma comunicação encaminhada pelo MP.
– A questão é se a Polícia Civil teria tido condições de investigar. O modelo que defendemos é o da soma de esforços de todos os órgãos. Hoje o Banco Central, as agências reguladoras, os tribunais de contas, a Receita Estadual, a Receita Federal e o Ministério da Agricultura investigam. Defendemos que isso continue, porque precisamos de mais investigação, não de menos investigação. Só em três países do mundo, Quênia, Uganda e Indonésia, a polícia tem exclusividade – afirma Coelho Neto.
O Ministério Público afirma que no futuro, em caso de aprovação da PEC, investigações importantes, como a fraude no leite, poderão deixar de ser realizadas – especialmente em áreas envolvendo direitos humanos e crime organizados.
O diretor do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), Guilherme Wondracek, contesta essa informação. Ele garante que, com a PEC, a investigação do leite também teria sido feita:
– O MP deve ter sido procurado pelo Ministério da Agricultura. Se tivessem nos procurado, também tería- mos feito a investigação tão bem ou melhor.
Wondracek sustenta que, mesmo com essa responsabilidade adicional, não teria havido prejuízo para as demais investigações realizadas no âmbito da Polícia Civil.
– A polícia faz várias investigações. O que nos traz dificuldades são certos foros privilegiados. Por que um promotor criminoso só pode ser investigado pelo próprio MP? Isso, sim, é impunidade.
A PEC 37
- Apresentada por Lourival Mendes (PTdoB-MA), a PEC 37 determina que só as polícias Civil e Federal podem promover investigações policiais
- Por alijar vários órgãos que hoje também investigam, o MP entre eles, a medida foi apelidada por seus adversários de PEC da Impunidade
- Os defensores da proposta preferem chamá-la de PEC da Legalidade
- A PEC já teve aprovação na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados
- A proposta deve entrar na pauta do plenário em junho
- Se aprovada na Câmara, segue para o Senado
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