sexta-feira, 8 de agosto de 2014

JUIZADO DE INSTRUÇÃO


O Estado de São Paulo,  12/01/2009.


EDITORIAL


Instalada em julho de 2008 pelo Senado e integrada por experientes e respeitados juízes, procuradores de Justiça e criminalistas, a Comissão de Reforma do Código de Processo Penal vem estudando medidas que, se forem aprovadas, podem acabar com os problemas acarretados por magistrados de primeira instância que se aliam a delegados de polícia e passam a agir politicamente, perdendo a isenção e a imparcialidade para decidir o mérito de processos criminais.

Embora sejam minoria nos quadros da magistratura, esses juízes têm gerado graves problemas para o Poder Judiciário, por usarem a fase de instrução do processo com o objetivo de produzir provas materiais orientadas para justificar sentenças condenatórias que já estariam previamente decididas com base em critérios políticos ou ideológicos.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) já recebeu pedidos de abertura de processo administrativo contra esses juízes. E, há seis meses, o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, envolveu-se numa discussão com um deles, acusando-o de usar abusivamente o instituto da prisão preventiva, de submeter investigados à execração pública, de vazar “informações oblíquas” para a imprensa e de ignorar decisões cautelares dos tribunais superiores.

Magistrados que agem mancomunados com delegados, perdem a imparcialidade e a autoridade, afirmou Mendes na ocasião, com o apoio de vários colegas de Corte. “Juízes que arrogam a si a responsabilidade por operações policiais transformam a Constituição em um punhado de palavras bonitas rabiscadas num pedaço de papel sem utilidade prática”, disse o ministro Eros Grau. Esses magistrados tendem a agir de forma “autoritária e insolente”, afirmou o decano do Supremo, ministro Celso de Mello.

As críticas à crescente ingerência de juízes de primeira instância em questões políticas são antigas e chegaram ao auge durante o segundo semestre do ano passado, quando diferentes setores da magistratura entraram em rota de colisão. Para pôr fim a esse problema e assegurar a imparcialidade dos julgamentos, a Comissão de Reforma do Código de Processo Penal instalada pelo Senado quer que dois juízes passem a atuar nas ações criminais, a exemplo do que ocorre, por exemplo, nos Estados Unidos, na França, na Itália e no México. O primeiro atuaria na fase de inquérito como um “juiz de garantias”, tendo competência para controlar as ações policiais, decretar prisões preventivas, autorizar buscas e apreensões e determinar quebra de sigilos. Concluídas as fases de investigação policial e de instrução do processo, o “juiz de garantias” seria substituído por um magistrado que não teve contato com a produção de provas. Ele teria competência para decidir a causa no mérito, julgando os fatos e decidindo com isenção e imparcialidade.

A ideia, diz Antonio Corrêa, juiz federal que integra a Comissão do Senado, é evitar que o julgador do mérito se contamine com o que foi apurado na fase de instrução. “O juiz de garantias irá controlar as investigações e terá a incumbência de encerrá-las, decidindo sobre o arquivamento ou, então, encaminhando os autos para o procurador-geral de Justiça ou da República”, afirma. “Sistema diferente levará à ditadura dos órgãos incumbidos de oferecer a denúncia, que irão instaurar ação penal apenas contra quem desejarem, o que quebraria o princípio do devido processo legal”, conclui.

A proposta, contudo, enfrenta resistências. Alguns promotores afirmam que, aprovada a medida, eles perderão a influência que exercem sobre o juiz. Os delegados alegam que a atuação de dois magistrados facilitará a defesa dos acusados, resultando em menos condenações e abrindo caminho para a impunidade. Mas é preciso observar que, nos países que adotaram o juizado de instrução, nada disso aconteceu.

A Comissão do Senado, que pretende encerrar seu trabalho até o final do semestre, já abriu um site na internet para colher sugestões de todos os setores interessados na modernização do anacrônico Código de Processo Penal, que foi editado pela ditadura varguista em 1941. Diante da necessidade de modernização da legislação processual, é preciso que as discussões sejam travadas exclusivamente sobre aspectos técnicos e que o anteprojeto a ser redigido fique imune a interesses corporativos.


http://www.diariodeumjuiz.com.br/?p=1540

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