Hélio Schwartsman
SÃO PAULO - Pelo que fez, o criminoso merece a punição que recebeu. A palavra "merece" parece inocente, mas encarna um problema que, apesar de ter ocupado as mentes dos melhores filósofos, nunca recebeu uma resposta muito convincente.
No que se funda esse merecimento? A solução mais popular é recorrer a elementos externos, como Deus ou uma ideia de Justiça nos moldes da de Platão, para justificá-lo. É daí que brotam os sistemas de justiça retributiva, em que a punição desponta como uma consequência moralmente inquestionável do delito cometido.
De uns anos para cá, porém, pesquisadores tentam buscar uma resposta dentro de nós, mais especificamente em nossa biologia. Embora esse seja um campo de estudos novo, já traz resultados promissores, que estão muito bem descritos no excelente "The Punisher's Brain" (o cérebro do punidor), de Morris Hoffman.
Hoffman, que é juiz no Colorado, traça um panorama detalhado dos trabalhos na área da neurociência e da psicologia que apontam para uma espécie de instinto punitivo comum a toda a humanidade. Num exemplo banal, todos os sistemas penais conhecidos valorizam mais a intenção do que o resultado. É por isso que o homicídio doloso é sempre punido com mais rigor que o culposo, ainda que a consequência seja a mesma.
Para o autor, desenvolvemos essas intuições ao longo dos últimos 100 mil anos tentando nos equilibrar entre a necessidade de reprimir os membros do grupo que tentavam tirar proveito do coletivo e a de evitar a punição excessiva, que poderia desestruturar a sociedade. De resto, jamais tiramos de nosso radar a possibilidade de nós mesmos não resistirmos às tentações e nos tornarmos o criminoso a ser enquadrado.
O resultado desses impulsos contraditórios está na formidável propensão humana para castigar e para perdoar. Hoffman mostra as marcas dessa esquizofrenia em várias facetas de nossos sistemas judiciais.
Hélio Schwartsman é bacharel em filosofia, publicou 'Aquilae Titicans - O Segredo de Avicena - Uma Aventura no Afeganistão' em 2001. Escreve de terça a domingo.
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