REVISTA ISTO É N° Edição: 1953 | 04.Abr.07
Em um dos mais anacrônicos regimes legais do mundo, o País bate recorde de leis, muitas das quais obsoletas
Conheça alguns dos absurdos que ainda não foram revogados da legislação brasileira
FORA VELHOS E ALEIJADOS!
CHANCELER CASAMENTEIRO
Decreto nº 5.033, de 19 de outubro de 1926
Foi um decreto criado para favorecer um único funcionário dos Correios Dispensa das provas de concurso para a promoção de praticante e auxiliar na Repartição Geral dos Correios (...) João Adolpho Barcellos Filho, a quem o Governo dará, a título de indenização, (...) cinco contos de réis
QUEREMOS AGRICULTORES
Decreto-lei nº 639, de 1938 Criado especialmente para fixar o estrangeiro no campo Art. 17 O agricultor ou técnico de indústria rural (...) não poderá abandonar a profissão durante o período de quatro anos
AUMENTO AUTOMÁTICO
Lei nº 7.238, de 29 de outubro de 1984
Corrigia os salários nos tempos da hiperinflação
Art. 1º. O valor monetário dos salários será corrigido semestralmente, de acordo com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (...)
Em um dos mais anacrônicos regimes legais do mundo, o País bate recorde de leis, muitas das quais obsoletas
Por Rudolfo Lago
Imagine um oficial britânico, herói de guerra. Ele perdeu a perna em combate contra os nazistas na Segunda Guerra Mundial. Agora, aos 80 anos, ele resolve passar o verão no Brasil. Ao desembarcar no aeroporto, porém, é barrado e mandado de volta para casa. Motivo alegado pelas autoridades: o estrangeiro não pode entrar porque é mutilado e tem mais de 60 anos de idade. Por incrível que pareça, tamanho absurdo está previsto na legislação brasileira. O decreto-lei nº 4.247 dá amparo legal a essa medida que poderia, em última instância, causar um grave conflito diplomático. Trata-se de uma norma discriminatória criada em 1921 para regular a entrada de imigrantes e até hoje em vigor. É o exemplo esdrúxulo de um cipoal que confunde juízes, advogados e qualquer cidadão brasileiro: o número excessivo de leis brasileiras. O Brasil tem nada menos que 181 mil normas legais, segundo um levantamento feito pela Casa Civil da Presidência. E ninguém sabe ao certo quantas delas já foram revogadas e quantas ainda estão em vigor.
Muitas normas caducaram e perderam completamente o sentido. Existem leis feitas para um homem só (leia quadro acima), decretos que dão ao ministro das Relações Exteriores a prerrogativa de permitir casamentos de diplomatas de carreira com pessoas estrangeiras e até mecanismos automáticos de indexação salarial, resquício da época da hiperinflação. Legislações antigas colidem com outras mais novas ou às vezes diferem apenas em pequenos detalhes. Leis específicas estabelecem penas maiores ou menores para delitos já especificados no Código Penal. Na prática, se há muitas normas legais aplicáveis no julgamento de um determinado delito, o que prevalece no final depende da competência do advogado ou da decisão do juiz. O excesso de normas legais onera as empresas, obrigadas a contratar caros serviços advocatícios e consultorias jurídicas. E prejudica os cidadãos. O resultado é um estado de freqüente insegurança jurídica. As pessoas se tornam completamente incapazes de resistir a um princípio básico do direito: ninguém pode alegar em sua defesa o desconhecimento da lei. “No Brasil, acontece o oposto. Ninguém pode dizer que conhece completamente as leis”, critica o deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP).
ENTULHO “O excesso de normas é um dos maiores problemas
do Brasil”, diz o deputado Vaccarezza
Vaccarezza foi designado pelo presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), para presidir um grupo especial que terá como tarefa avaliar todas essas 181 mil leis e eliminar tudo o que houver de excesso. A idéia é expurgar de uma vez por todas as leis efetivamente revogadas, extinguir aquelas que a modernidade tornou caducas, unir as que se repetem e eliminar as que colidem entre si. Sobrarão, se tudo der certo, não mais do que mil leis no País. Elas serão publicadas em 18 volumes de acordo com o tema a que se referem. “Será um grande avanço. O excesso de normas é um dos maiores problemas do Brasil”, afirma Vaccarezza.
ENXUGAMENTO “Um trabalho bem feito poderia deixar o País
com 500 a mil leis”, prevê Gandra Filho, ministro do TST
Somente na área tributária, existem nada menos que 809 leis, decretos, portarias e resoluções em vigor. É um inferno para qualquer empresa ou cidadão que paga seus impostos e taxas em dia. Algo que o jurista Ives Gandra Martins chama de “disenteria legislativa”. A necessidade de enxugar a legislação brasileira é um tema que fascina o filho do jurista, o ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Ives Gandra Martins Filho. No governo Fernando Henrique Cardoso, ele integrou, juntamente com o hoje ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, uma comissão que tentou iniciar a consolidação legal na Casa Civil da Presidência. “Na época, a tentativa não avançou mais porque talvez tenha faltado um projeto de marketing que sensibilizasse as pessoas e os políticos sobre o tamanho do problema”, diz Gandra Filho.
De qualquer modo, o trabalho anterior servirá de base para o início do projeto que Vaccarezza irá tocar na Câmara. Cada um dos ministérios já fez um mapeamento da legislação nos seus respectivos setores. Tudo foi processado em um programa de computador desenvolvido pelo Serviço de Processamento de Dados do Senado (Prodasen). Três CDs entulhados com milhares de leis, normas, decretos e similares deverão ser meticulosamente estudados para reduzir o total a ponto de caber num simples disquete. “Um trabalho de enxugamento bem feito poderia deixar o País com algo entre 500 e mil leis”, estima Gandra Filho.
LEIS CADUCAS “Muitos advogados invocam leis
(inconstitucionais) em processos”, afirma Mendes, ministro do STF
No STF, o ministro Gilmar Mendes já garantiu a Vaccarezza a adesão do Poder Judiciário ao processo de enxugamento legal. E encaminhou à presidente do Supremo, Ellen Gracie, um pedido para que o tribunal envie ao deputado uma lista de leis que já foram julgadas inconstitucionais. “Por incrível que pareça, muitas dessas leis não foram explicitamente revogadas e há muitos advogados que às vezes as invocam em processos. Eliminá-las de vez vai representar uma redução significativa na quantidade de leis vigentes”, afirma. Sinal da confusão legislativa brasileira, nem mesmo o STF sabe ao certo quantas seriam essas leis.
UMA CARTILHA REPLETA DE INUTILIDADES
Imagine um oficial britânico, herói de guerra. Ele perdeu a perna em combate contra os nazistas na Segunda Guerra Mundial. Agora, aos 80 anos, ele resolve passar o verão no Brasil. Ao desembarcar no aeroporto, porém, é barrado e mandado de volta para casa. Motivo alegado pelas autoridades: o estrangeiro não pode entrar porque é mutilado e tem mais de 60 anos de idade. Por incrível que pareça, tamanho absurdo está previsto na legislação brasileira. O decreto-lei nº 4.247 dá amparo legal a essa medida que poderia, em última instância, causar um grave conflito diplomático. Trata-se de uma norma discriminatória criada em 1921 para regular a entrada de imigrantes e até hoje em vigor. É o exemplo esdrúxulo de um cipoal que confunde juízes, advogados e qualquer cidadão brasileiro: o número excessivo de leis brasileiras. O Brasil tem nada menos que 181 mil normas legais, segundo um levantamento feito pela Casa Civil da Presidência. E ninguém sabe ao certo quantas delas já foram revogadas e quantas ainda estão em vigor.
Muitas normas caducaram e perderam completamente o sentido. Existem leis feitas para um homem só (leia quadro acima), decretos que dão ao ministro das Relações Exteriores a prerrogativa de permitir casamentos de diplomatas de carreira com pessoas estrangeiras e até mecanismos automáticos de indexação salarial, resquício da época da hiperinflação. Legislações antigas colidem com outras mais novas ou às vezes diferem apenas em pequenos detalhes. Leis específicas estabelecem penas maiores ou menores para delitos já especificados no Código Penal. Na prática, se há muitas normas legais aplicáveis no julgamento de um determinado delito, o que prevalece no final depende da competência do advogado ou da decisão do juiz. O excesso de normas legais onera as empresas, obrigadas a contratar caros serviços advocatícios e consultorias jurídicas. E prejudica os cidadãos. O resultado é um estado de freqüente insegurança jurídica. As pessoas se tornam completamente incapazes de resistir a um princípio básico do direito: ninguém pode alegar em sua defesa o desconhecimento da lei. “No Brasil, acontece o oposto. Ninguém pode dizer que conhece completamente as leis”, critica o deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP).
ENTULHO “O excesso de normas é um dos maiores problemas
do Brasil”, diz o deputado Vaccarezza
Vaccarezza foi designado pelo presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), para presidir um grupo especial que terá como tarefa avaliar todas essas 181 mil leis e eliminar tudo o que houver de excesso. A idéia é expurgar de uma vez por todas as leis efetivamente revogadas, extinguir aquelas que a modernidade tornou caducas, unir as que se repetem e eliminar as que colidem entre si. Sobrarão, se tudo der certo, não mais do que mil leis no País. Elas serão publicadas em 18 volumes de acordo com o tema a que se referem. “Será um grande avanço. O excesso de normas é um dos maiores problemas do Brasil”, afirma Vaccarezza.
ENXUGAMENTO “Um trabalho bem feito poderia deixar o País
com 500 a mil leis”, prevê Gandra Filho, ministro do TST
Somente na área tributária, existem nada menos que 809 leis, decretos, portarias e resoluções em vigor. É um inferno para qualquer empresa ou cidadão que paga seus impostos e taxas em dia. Algo que o jurista Ives Gandra Martins chama de “disenteria legislativa”. A necessidade de enxugar a legislação brasileira é um tema que fascina o filho do jurista, o ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Ives Gandra Martins Filho. No governo Fernando Henrique Cardoso, ele integrou, juntamente com o hoje ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, uma comissão que tentou iniciar a consolidação legal na Casa Civil da Presidência. “Na época, a tentativa não avançou mais porque talvez tenha faltado um projeto de marketing que sensibilizasse as pessoas e os políticos sobre o tamanho do problema”, diz Gandra Filho.
De qualquer modo, o trabalho anterior servirá de base para o início do projeto que Vaccarezza irá tocar na Câmara. Cada um dos ministérios já fez um mapeamento da legislação nos seus respectivos setores. Tudo foi processado em um programa de computador desenvolvido pelo Serviço de Processamento de Dados do Senado (Prodasen). Três CDs entulhados com milhares de leis, normas, decretos e similares deverão ser meticulosamente estudados para reduzir o total a ponto de caber num simples disquete. “Um trabalho de enxugamento bem feito poderia deixar o País com algo entre 500 e mil leis”, estima Gandra Filho.
LEIS CADUCAS “Muitos advogados invocam leis
(inconstitucionais) em processos”, afirma Mendes, ministro do STF
No STF, o ministro Gilmar Mendes já garantiu a Vaccarezza a adesão do Poder Judiciário ao processo de enxugamento legal. E encaminhou à presidente do Supremo, Ellen Gracie, um pedido para que o tribunal envie ao deputado uma lista de leis que já foram julgadas inconstitucionais. “Por incrível que pareça, muitas dessas leis não foram explicitamente revogadas e há muitos advogados que às vezes as invocam em processos. Eliminá-las de vez vai representar uma redução significativa na quantidade de leis vigentes”, afirma. Sinal da confusão legislativa brasileira, nem mesmo o STF sabe ao certo quantas seriam essas leis.
UMA CARTILHA REPLETA DE INUTILIDADES
Conheça alguns dos absurdos que ainda não foram revogados da legislação brasileira
FORA VELHOS E ALEIJADOS!
Decreto-lei nº 4.247, de 1921. Regulamenta a entrada de estrangeiros no País
Art. 1º. É lícito ao Poder Executivo impedir a entrada no território nacional (...):
§ 2º. De todo estrangeiro, mutilado, aleijado, cego, louco, mendigo, portador de moléstia incurável (...).
§ 4º. De todo estrangeiro de mais de 60 anos
Art. 1º. É lícito ao Poder Executivo impedir a entrada no território nacional (...):
§ 2º. De todo estrangeiro, mutilado, aleijado, cego, louco, mendigo, portador de moléstia incurável (...).
§ 4º. De todo estrangeiro de mais de 60 anos
CHANCELER CASAMENTEIRO
Lei nº 1.542, de 5 de janeiro de 1952
Regula os casamentos de diplomatas com estrangeiras
Art. 1º. Os funcionários da carreira de diplomata só poderão se casar com estrangeira mediante licença do ministro de Estado.
§ 1º. O (...) ministro deferirá ou indeferirá o pedido
LEI DE UM HOMEM SÓ
Regula os casamentos de diplomatas com estrangeiras
Art. 1º. Os funcionários da carreira de diplomata só poderão se casar com estrangeira mediante licença do ministro de Estado.
§ 1º. O (...) ministro deferirá ou indeferirá o pedido
LEI DE UM HOMEM SÓ
Decreto nº 5.033, de 19 de outubro de 1926
Foi um decreto criado para favorecer um único funcionário dos Correios Dispensa das provas de concurso para a promoção de praticante e auxiliar na Repartição Geral dos Correios (...) João Adolpho Barcellos Filho, a quem o Governo dará, a título de indenização, (...) cinco contos de réis
QUEREMOS AGRICULTORES
Decreto-lei nº 639, de 1938 Criado especialmente para fixar o estrangeiro no campo Art. 17 O agricultor ou técnico de indústria rural (...) não poderá abandonar a profissão durante o período de quatro anos
AUMENTO AUTOMÁTICO
Lei nº 7.238, de 29 de outubro de 1984
Corrigia os salários nos tempos da hiperinflação
Art. 1º. O valor monetário dos salários será corrigido semestralmente, de acordo com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (...)
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